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Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
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Gustavo Almeida

almeidajornalista01@gmail.com

01/06/2015 - 20h55

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Gustavo Almeida

almeidajornalista01@gmail.com

01/06/2015 - 20h55

Padre Lira: o velho pioneiro do Piauí

Fundação Ruralista, no semiárido piauiense (Foto: Gustavo Almeida)

 Fundação Ruralista, no semiárido piauiense (Foto: Gustavo Almeida)

 

Hoje em dia muito se fala em políticas de convivência com a seca, em educação como meio de transformação social e em programas de distribuição de renda. As políticas sociais ganharam fama no governo do ex-presidente Lula, sobretudo por mudarem a realidade de muitos sertanejos encravados na região Nordeste do Brasil, pessoas que historicamente foram lembradas pelo sinônimo da pobreza e das dificuldades impostas pela seca.

 

No entanto, décadas antes da consagração dessas políticas sociais, um velho sacerdote já lutava contra o flagelo da seca de forma pioneira no sertão do Piauí. No início dos anos 1960, Manuel Lira Parente, ou apenas Padre Lira, decidiu agir para mudar a realidade dos sertanejos na região de São Raimundo Nonato, num raio superior a 150 km. A área pertence hoje a Dom Inocêncio, município que ele viria a ser fundador quase três décadas depois.

 

Inconformado em ver o sofrimento dos rurícolas, Lira decidiu criar a Fundação Ruralista no mais isolado rincão piauiense e através dela capitaneou as mais brilhantes iniciativas sociais já vistas no sertão. Sem escolas, sem serviços de saúde, sem estradas, sem aguadas e com índices de mortalidade infantil exorbitantes, o lendário padre decidiu que aquela região totalmente desprovida das ações governamentais não poderia ficar sem amparo.

 

Com uma visão brilhante, ele abriu estradas, construiu aguadas, fez cisternas com sistema de captação de água da chuva e criou uma rede de 23 escolas com calendário escolar adaptado à realidade econômica, social e climática da região. O bordado fazia parte das atividades escolares e as alunas mulheres recebiam pelo artesanato, tendo a frequência escolar como critério para o recebimento.

 

Durante alguns anos, a entidade forneceu uma bolsa educação para as famílias que se deslocavam de suas casas para residirem perto da escola. Além disso, a Fundação já adotava, há décadas, o ensino fundamental com duração de nove anos. Lira já acreditava e defendia que somente a educação seria capaz de transformar a realidade de um povo.

 

O sacerdote também enfrentou outros graves problemas que atormentavam os sertanejos. A mortalidade infantil e os óbitos por picadas de cobra eram assustadores. Foi então que construiu, no meio da caatinga, uma maternidade onde as mulheres sertanejas puderam ter seus filhos com o acompanhamento de profissionais. Lira faria história ao erguer a primeira maternidade rural do Piauí, onde também eram socorridos os sertanejos picados por cobras.

 

Educação, água, alimentos, roupas, saúde e civilidade, tudo de graça para uma gente que precisava de amparo. Passados tantos anos, as marcas do velho pioneiro ainda estão vivas na região e na memória do povo. Dom Inocêncio praticamente não possui analfabetos na faixa etária pós-Fundação Ruralista e muitas das ações de enfrentamento à pobreza vistas hoje como exemplo para o país não são novidades para o povo inocentino.

 

A atuação do velho padre através da Fundação durou mais de cinco décadas e cessou apenas em meados de 2012, quando a idade não mais lhe permitiu continuar com a missão de amparar os sertanejos. Após décadas de pioneirismo e luta incansável na caatinga, Padre Lira descansa no auge dos seus 95 anos. Ao velho padre, nosso reconhecimento e nossa torcida para que o centenário em vida seja sua próxima marca histórica.

 

*Gustavo Almeida é acadêmico de jornalismo da Universidade Federal do Piauí e estudou na escola da Fundação Ruralista, no município de Dom Inocêncio.

*Gustavo Almeida

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