COMPLEXO DE VIRA-LATA – Vira-lata é a designação de uma espécie de cães domésticos sem raça definida. E como se pode facilmente deduzir, o nome deriva do fato de que são vistos frequentemente revirando latas de lixo em busca de comida, devido ao abandono em que costumam viver nas ruas das cidades de países do terceiro mundo.

Nos idos de 1950, Nelson Rodrigues escreveu o seguinte: “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”. Nelson Rodrigues é perfeito na descrição. E esta nossa característica de autodepreciação se manifesta em sua intensidade máxima quando estamos em um país dito de primeiro mundo. Que cidade linda! Que ruas limpas! Que trânsito! Que povo educado! Que tênis barato! Que lojas! Que sorvete gostoso! Não é da Kibom?! Sim, mas a Kibom daqui é muito melhor que a de lá! No Brasil não temos nada! Só favela, corrupção, incompetência, violência, imprudência, maledicência, ignorância, novela, samba e futebol...

OPERAÇÃO LAVA-JATO – No dia 22/12/2016 o procurador Deltan Dallagnol, da operação Lava-jato, usou as redes sociais para se autoelogiar pelo acordo que as empresas nacionais Odebrecht e Braskem fizeram com autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças. Pelo acordo, as duas empresas pagarão 3,5 bilhões de dólares aos três países. O Brasil ficará com 80% do valor e o restante será para os Estados Unidos e para a Suíça. As empresas teriam corrompido agentes públicos e partidos políticos em doze países (Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela).

Dallagnol diz: “Se você acha que o Brasil não tem jeito e veste a camisa do complexo de vira-lata, esta mensagem é para você. É possível um Brasil diferente e a hora é agora. A Lava-jato levou ao maior acordo num caso de corrupção na história mundial. Vou repetir: não só o maior caso de corrupção internacional no mundo foi descoberto pelas autoridades brasileiras, mas também foi alcançado o maior ressarcimento da história mundial em acordos dessa espécie”.

Evidentemente, o procurador está assegurando que o resultado da investigação da Lava-jato é uma prova de que uma parte dos brasileiros não tem mais o complexo de vira-lata, ou seja, o Brasil agora pode se colocar entre as nações desenvolvidas, como os Estados Unidos e a Suíça, por exemplo.

Acontece que a notícia de que pelo menos 20% da multa bilionária vai para os cofres das duas nações alienígenas, pelo simples fato de que parte dos recursos das propinas teria transitado por instituições financeiras desses países, ao contrário do que afirma o procurador, parece ser justamente uma prova do abjurado complexo de vira-lata. Senão vejamos: mesmo sendo resultado de um trabalho só das “autoridades brasileiras”, a multa vai beneficiar a metrópole, pelo simples fato de que seus bancos acolheram a milionária propina, por cujo “serviço sujo” certamente receberam gordas comissões. Isto faz lembrar aquela história da cachorra Baleia (Vidas Secas, Graciliano Ramos): maltratada, doente e faminta, Baleia pegou um preá; ao invés de comê-lo no mato, o levou para Sinhá Vitória, que com o bicho alimentou a família, e deu os ossos para a cachorra.

A propósito: se as empresas declaram que corromperam em doze países, mas não nos Estados Unidos nem na Suíça, não seria mais lógico e justo que a multa beneficiasse as nações logradas, ao invés daquelas que esconderam o produto dos crimes?