Facebook
  RSS
  Whatsapp
Sabado, 20 de abril de 2024
Colunas /

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

11/01/2017 - 19h41

Compartilhe

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

11/01/2017 - 19h41

Falta-nos sangue! (ou somos todos cínicos?)

 

Li ontem (10/01/2017) mais um irretocável artigo do ex-ministro da justiça Eugênio Aragão, no qual ele fala – com a erudição que lhe é peculiar - de quatro situações inacreditáveis da atual quadra brasileira: a viagem do presidente do Tribunal Superior Eleitoral para Lisboa, de carona com Michel Temer, a quem deve julgar nos próximos meses (ambos prestarão homenagens fúnebres ao ex-presidente Mário Soares, morto no sábado 07/01, aos 92 anos); a viagem do procurador-geral da república para participar do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, onde deverá falar sobre a corrupção sistêmica de nossa economia; a declaração “preocupada” do ministro da Justiça de que vai ajudar o Governo do Amazonas a debelar a crise carcerária por lá - após sessenta mortes, e isto após ter negado essa mesma ajuda a Roraima, com mais de trinta mortos; e ainda a estranha fala do governador do Amazonas - contra quem existe uma ação de cassação do mandato no TSE de Gilmar Mendes (por compra de votos), de que não havia santo entre os presos chacinados.

 

 

Eugênio Aragão tem um estilo mordaz, enxuto, preciso ao dizer as coisas, só comparável a um Machado de Assis ou a um Graciliano Ramos.

 

 

Assim, crava com elegante ironia as seguintes pérolas:

 

1. Sobre a viagem de Temer e Gilmar a Portugal: “As exéquias do democrata lusitano certamente são a menor das preocupações do réu e de seu julgador, pois vê-los prestar suas últimas homenagens ao gigante da política portuguesa parece tão obsceno quanto fosse ver Lula prestá-las a Augusto Pinochet.”

 

 

2. Sobre a viagem do Procurador-geral da República a Davos: “Com as proezas ditas de si e de seu poderoso órgão acusador, vai atrair enorme interesse por investimentos nobres em seu país. Finjamos que grandes empresas adoram investir em economias tingidas de corrupção sistêmica, certificada pelo chefe da acusação.”

 

 

3. Sobre súbita preocupação do ministro da Justiça com os presos do Amazonas: “Vamos todos fingir que temos um preocupado ministro da justiça que declara publicamente apoio ao governo do Amazonas para debelar, em seu sistema penitenciário, a guerra assassina entre facções de traficantes. Normalíssimo, oras. O azarado ministro, de boa-fé, não se lembrou ter negado o pedido desesperado de uma governadora, de uso da Força Nacional que, talvez, pudesse ter salvo a vida de trinta e poucos brasileiros em Roraima, massacrados na vindita de uma facção contra outra, que dizimara quase sessenta concidadãos em Manaus.”

 

 

4. Sobre a fala do governador amazonense: “E faz todo sentido que o tal governador se julgue Deus, para condenar os trucidados ao fogo eterno. Não é que ele mesmo poderia estar lá, se fossem levar a sério, no tribunal do julgador caroneiro, o imperativo de cassação de seu mandato por compra de votos? Deixá-lo falar de falta de santidade é tão obsceno quanto imaginar o cramunhão ser canonizado.”

 

 

Faltou, talvez, a Aragão acrescentar ainda este episódio obsceno: a notícia – provada com documentos - de que Michel Temer, quando vice-presidente da República, foi diversas vezes, às escondidas, à embaixada norte-americana em Brasília, atuando como informante dos Estados Unidos. Especula-se que as informações que deu tiveram como contrapartida o apoio ianque ao golpe de 2016.

 

 

Tudo isto se noticiou e noticia sem qualquer reação do Ministério Público ou da chamada grande imprensa. Também não se vê nenhuma mobilização da parte dos movimentos populares e sindicais, tampouco dos partidos políticos ditos de esquerda.

 

 

Nada!

 

 

Tudo quieto, tudo morto, como se sangue não corresse em nossas veias. Ou, talvez, sejamos mesmo um bando de cínicos.

 

José Osmar

Comentários