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Quinta-feira, 28 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

12/01/2017 - 13h03

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

12/01/2017 - 13h03

Educação e liberdade

Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação. Vale dizer, uma educação que longe de se identificar com o novo clima para ajudar o esforço de democratização, intensifique a nossa inexperiência democrática, alimentando-a. (Paulo Freire).

 

 

Não resta dúvida de que entre o final da década de sessenta do século passado, quando Paulo Freire escreveu o livro: Educação como prática para a liberdade,e, os dias atuais, em que a nossa população carcerária e/ou criminosa  aumentou potencialmente; a rede de escolas públicas também cresceu bastante em nosso país. Não resta dúvida de que a maioria dos brasileiros foi incluída no sistema de ensino, contudo, permanece em muitos casos o analfabetismo funcional. O acesso à universidade, por outro lado, aumentou potencialmente nos últimos governos, todavia, ainda estamos bem distantes de uma educação universal e crítica que prepare para a liberdade pretendida para todos.

 

 

A nota de Esclarecimento com a qual Paulo Freire introduz seu livro citado é carregada de explicações de um lugar de fala que revela a indignação do autor com a sociedade brasileira e sua forma de organização injusta e muitas vezes perversa. É essa sociedade que lhe inspira a conspirar por uma educação verdadeira que contribua para a compreensão e crítica do sistema vigente. Em 1965, em Santiago, Paulo Freire escreveu sobre a sociedade e sobre o homem brasileiro, ambos, alvos deseus estudos e propostas:  “Sociedade intensamente cambiante e dramaticamente contraditória. Sociedade em “partejamento”, que apresentava violentos embates entre um tempo que se esvaziava, com seus valores, com suas peculiares formas de ser, e que “pretendia” preservar-se e um outro que estava por vir, buscando configurar-se. Este esforço não nasceu, por isso mesmo, do acaso. Foi uma tentativa de resposta aos desafios contidos nesta passagem que fazia a sociedade. Desde logo, qualquer busca de resposta a estes desafios implicaria, necessariamente, numa opção. Opção por esse ontem, que significava uma sociedade sem povo, comandada por uma “elite” superposta a seu mundo, alienada, em que o homem simples, minimizado e sem consciência desta minimização, era mais “coisa” que homem mesmo, ou opção pelo Amanhã. Por uma nova sociedade, que, sendo sujeito de si mesma, tivesse no homem e no povo sujeitos de sua História. Opção por uma sociedade parcialmente independente ou opção por uma sociedade que se “descolonizasse” cada vez mais”.

 

 

A ideia do autor mencionado foi sensibilizar o brasileiro através de um modelo educacional transformador e conscientizador.O seu foco estava na busca por um, “homem-sujeito que, necessariamente, implicaria em uma sociedade também sujeito. Sempre lhe pareceu, dentro das condições históricas de sua sociedade, inadiável e indispensável uma ampla conscientização das massas brasileiras, através de uma educação que as colocasse numa postura de autorreflexão e de reflexão sobre seu tempo e seu espaço”.  Para Paulo Freire somente uma educação política e libertadora poderia transformar o Brasil. Vale lembrar que o contexto em que o autor escreveu e lançou seu livro era de regime ditatorial civil-militar e de grandes transformações que impactaram na sociedade brasileira que antes rural, caminhava em direção aos centros urbanos, perdendo suas principais características comunitárias.

 

 

Todavia, os anos se passaram e Paulo Freire se transformou não em leitura obrigatória, mas em citação comum entre os que desejam transparecer uma imagem de uma intelectualidade progressista ou,somente de entendidos, que aceitam que até o filho da empregada doméstica frequente um curso universitário, desde que não seja medicina, nem direito, cujas vagas devem estar reservadas para os bens nascidos. Acredito que o Brasil até o momento não entendeu as propostas de Paulo Freire e a reforma educacional em curso, proposta pelo governo temerário, vem provar isso. Paulo Freire virou referencial teórico e seus ensinamentos viraram posts nas mídias sociais, mas a profundidade e a potência transformadora de suas palavras deixaram de ser aplicadas, e mais, a elite que agora retornou ao poder deseja que fiquem perdidas no rio de Lete (esquecimento).

 

 

Mas, como, enquanto jornalistas devemos exercitar o dever de memória, convocamos aqui lembranças do pensamento do autor que ainda que formuladas em outro tempo e outra conjuntura se mantém muito atual.

 

 

 

A proposta do autor era de uma total reformulação no agir comunicativo no Brasil, uma transformação que aspirasse e contribuísse para a instauração de uma autêntica democracia. E aqui os analistas minimalistas e reducionistas dos cenários políticos podem arguir que não estamos mais em um regime de exceção. Sim, é verdade,saímos da ditadura civil-militar, mas nunca nos transformamos em uma democracia plena e assim nunca fomos considerados pelas instituições internacionais, sobretudo, pela aberrante desigualdade social refletida nas diferenças nos níveis educacional e econômico, como também, na divergência crítica nas escolhas políticas.

 

 

Nas palavras de Paulo Freire,a transformação deveria considerar um “agir educativo que, não esquecendo ou desconhecendo as condições culturológicas de nossa formação paternalista, vertical, por tudo isso antidemocrática, não esquecesse também e sobretudo as condições novas da atualidade. De resto, condições propícias ao desenvolvimento de nossa mentalidade democrática, se não fossem destorcidas pelos irracionalismos. E isto porque, às épocas de mudanças aceleradas, vem correspondendo uma maior flexibilidade na compreensão possuída pelo homem, que o pode predispor a formas de vida mais plasticamente democráticas”.

 

 

O recenteempoderamento das classes economicamente enquadradas pelas fórmulas capitalistas como C e D nos últimos governos, fruto de políticas sociais, culturais e educacionais de inclusão, não se refletiu somente no processo econômico, mas proporcionou criticidade social, motivo pelo qual o Brasil está dividido, com efetiva visibilidade, desde 2013. De um lado, uma população que reivindica não apenas que o Estado seja o provedor dos direitos básicos do cidadão, mas que os serviços oferecidos pelo Estado, ou pelos que recebem do Estado este poder, sejam de qualidade e universais. De outro, uma elite conservadora que apoiada por uma classe média ascendente, luta para garantir que os direitos continuem sendo de poucos.

 

 

Por alguns anos, o Brasil parece ter aplicado os princípios pregados por Paulo Freire, contudo, tudo parece esquecido nesse momento. Ao que tudo indica, grande parte da nossa população não deseja que todos tenham acesso ao conhecimento, porque isso representa consciência e contestação do discurso de naturalização da pobreza e da ignorância. Porque isso representa reivindicação por igualdade de oportunidades nessa selva capitalista em que vivemos.

 

Comecei e termino com Paulo Freire, para quem,precisamos  “de uma educação corajosa, que enfrente a discussão com o homem comum, de seu direito a participação”.

Ana Regina Rêgo

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