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Quinta-feira, 18 de abril de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

23/02/2017 - 11h01

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

23/02/2017 - 11h01

Uma mulher de hoje na Terra Brasilis

A grande Mafalda do enorme Quino! ( imagem disponível na www)

 A grande Mafalda do enorme Quino! ( imagem disponível na www)

Mariana amanheceu alegre, era dia de viajar para outro país, isso sempre a deixava muito animada. Nas malas prontas havia roupas de grife, sapatos caros, perfumes, mas livros, não havia nenhum. Não gostava de ler, a não ser raras vezes em que durante as longas viagens e esperas em aeroportos, comprava um ou outro livro, de preferência os que surgiram após o sucesso de um filme. Nesses casos, como já havia assistido o filme, o livro não lhe consumia e a leitura era fácil, não necessitava de muita concentração.

 

O voo seria à meia-noite e o dia seria longo. Na agenda a primeira parada seria no salão de beleza, precisava de massagem, selagem, bandagem, corte de cabelo, pintura, limpeza de pele, trato nas unhas, etc.. Antes do salão, porém, precisava parar no hotel para caninos para deixar sua linda cadela poodle.

 

As fotos/selfie para postagem nas redes sociais começaram logo bem cedo, mostrando as peças de roupa e lingeries recém compradas para uso na viagem. Nada podia ser esquecido. Tudo precisa ser mostrado. Os looks devem ser montados e apresentados ao seu público de seguidores. Mariana não pode esquecer dos vídeos curtos (snap) também postados nas redes sociais. Nos vídeos ela explica os detalhes das roupas, aonde foram compradas, mas, principalmente, não deixa de falar sobre seu estado de espírito, normalmente a cara da felicidade. Obviamente, a cara da felicidade inclui alguns quilos de maquiagem.

 

A parada no hotel para caninos é registrada com fotos e vídeos e obviamente a nomenclatura que nomeia a hospedaria, usada e falada por Mariana é em inglês. Embora, ela nunca nem tenha se perguntado porquê e nem saiba o que significa.

 

Mas, o que mais deixa Mariana feliz é chegar ao salão e poder fazer inúmeros vídeos de todos os momentos ali vivenciados, inclusive quando está com a cara cheia de algum produto e o cabelo passado na tinta. Nesse momento ela se faz vitoriosa, porque se mostra humana como as mulheres que lhe seguem, contudo, não deixa de ressaltar que aquele tratamento tem um determinado preço, obviamente, nem sempre ao alcance de suas seguidoras, todavia, isso não é ruim, porque Mariana sempre deixa uma mensagem de otimismo apresentando alternativas para quem não pode pagar.

 

Linda e bela, Mariana deixou o salão às 13 h e já foi direto para o restaurante mais badalado do momento. Eradia de champanhe gratuitae ela e suas amigas não poderiam perder esse momento, afinal o marido teria almoço de negócios, e ela um momento de prazer com suas amigas. Lembrou, contudo, que não poderia demorar muito porque tinha um compromisso muito chato às 16 h. Era um encontro de mulheres em que ela e outras amigas haviam sido convocadas para defender a família brasileira ameaçada pela proliferação dos homossexuais, como também defender os direitos de seus filhos e filhas que não deveriam ser expostos a conteúdos sobre sexualidade e liberdadeou ideologia de gênero na escola; dentre outros temas bem polêmicos, mas ela estava preparada.

 

Assim, depois do almoço, lá se foi Mariana linda e bela para a reunião de mulheres. A reunião aconteceria em um auditório no centro da cidade. Ela não conseguiu estacionamento perto e teve que parar no meio da rua, seis quarteirões distantes do auditório. Eram 15 h e o mês era outubro, já a temperatura beirava os 40 graus. Mariana teve que caminhar por calçadas esburacadas e por ruas cheias de lama, porém, isso só fortaleceu sua raiva frente às mulheres que iria enfrentar afinal Mariana sabia de quem era a culpa para aquele descaso: era da Presidente (a) (x) e de suas seguidoras!.

 

Pensou em parar do terceiro quarteirão e fazer um vídeo de denúncia, mas teve medo que lhe roubassem o celular.

 

Ao chegar a reunião havia uma mulher negra falando de uma tal Simone de Beauvoir e já não gostou porque a mulher falava sobre feminismo o tempo todo. A vontade de Mariana era subir até o palco de onde falava a mulher e lhe dizer que feminismo é até pecado, porque mulher nenhuma deve competir com seus maridos. Depois subiu uma filósofa gorda falando sobre outra pessoa que ela, Mariana, nunca havia ouvido falar,chamada Hannah Arendt. Ora, já começou dizendo que era judia e mesmo assim tinha sido amante de um alemão. Não dava para entender porque aquelas mulheres queriam seduzir e guiar as mulheres do país, dando exemplos de pessoas que não haviam sido bons exemplos.

 

Mas Mariana não perdeu a oportunidade, quando a filósofa terminou de falar, correu e pegou o microfone, mas antes, pediu que projetassem as duas bandeiras que estavam na porta do auditório e que ela havia fotografado: a primeira, ado Brasil, a segunda, a do Japão com seu reluzente sol vermelho ao centro. E diante dessa imagem Mariana que falava e se filmava ao mesmo tempo, começou combatendo diretamente as palestrantes anteriores e acusando-as de querer transformar todas as mulheres em feministas, acusando-as de querer seduzir as mulheres presentes para o comunismo, já que havia uma bandeira ali fora que não lhe deixava mentir. Denunciando que estava sofrendo ataques de mulheres que não aceitavam que suas filhas fossem para a escola de princesas.  E afirmando que sim, é possível ter uma vida de princesa na Terra Brasilis, afinal de contas ela tinha.

 

O encontro era para discutir os direitos das mulheres, sobretudo, das mulheres negras. O encontro era para debater e conhecer os valores do oriente e a posição da mulher que vivia do outro lado do mundo, mas Mariana e suas amigas pouco se importavam, porque não conseguiam compreender que tanto debate de direitos era esse, já que a mulher já alcançou tudo e é maioria e não minoria. E, principalmente, Mariana e suas amigas não podiam se calar frente a um bando de mulheres masculinizadas que queriam dominar o país. Mas ela e suas amigas, mulheres perfeitas e ativistas políticas que armadas com suas poderosas panelas derrubaram um governo, nunca iriam aceitar.  O encontro terminou entre xingamentos e puxões de cabelo. Na saída caiu uma forte chuva comum no tempo do forte calor. Mariana correu por seis quarteirões até o carro, mas foi arrastada pelo vento e teve que se segurar numa árvore. Conseguiu chegar ao carro, mas não em casa a tempo para o voo das 20 h, pois o trânsito não deixou. Chorou baixinho, mas logo se levantou, pois sabia que a culpa era daquela Presidente (a) (x) que tinha colocado ideias nas cabeças das mulheres pobres daquele país.

 

PS.: essa é uma péssima obra de ficção. O nome da protagonista é fictício. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência (ou vice-versa). O almoço de negócios do marido da Mariana foi com a filósofa que falou sobre a Arendt. Depois desse almoço ele virou ativista político e os dois foram viver juntos. Mariana não viajou mais para fora do país, mas continuou a postar seus vídeos e suas fotos, só que agora direto da igreja que criou na esquina do auditório para tentar salvar as almas pensadoras e pecadoras. O seu exemplo de vida tem inspirado muitas jovens esposas e ela tem conseguido a conversão de muitos corações e mentes. Amém!

Ana Regina Rêgo

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