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Sexta-feira, 29 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

09/03/2017 - 14h10

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

09/03/2017 - 14h10

As imposições sociais ao comportamento da mulher, a violência gratuita e a naturalização da dominação masculina

Escrevo este artigo no dia em que o mundo comemora a mulher, a publicação será somente amanhã e aí já teremos retornado ao nosso status de inferioridade definida socialmente e acatada de bom grado pela grande maioria de nós. Recebi por whatsaap e outras mídias sociais inúmeras mensagens parabenizando e exaltando as qualidades femininas, desde mensagens que ressaltam o poder de luta e a força, quanto mensagens que destacam a função do feminino na coordenação familiar. Nada contra nenhuma delas, ao contrário; contudo, muito me pergunto, o que há realmente para comemorar não apenas nos 170 anos que nos separam da luta das operárias norte-americanas, mas em toda a trajetória da humanidade neste planeta.

 

 

Embora exista um certa visibilidade para as conquistas femininas, sobretudo, a partir do século XX, não podemos negar que a dominação masculina que moldou as culturas orientais e ocidentais não é e não será facilmente desconstruída. As próprias religiões trataram de construir mecanismos de afastar as mulheres das condições de poder. Antes até as universidades proibiam relacionamentos dos mestres e pensadores com mulheres, visto que seria possível que se contaminassem com os vícios de um corpo feminino e se distanciassem de suas vocações e atividades.

 

 

A impureza nasce conosco na maioria dos livros sagrados. Durante a idade média fomos torturadas e queimadas, prática ainda hoje localizada em várias partes do planeta, inclusive no nosso belo Brasil de muitas cores e de muito preconceito.

 

 

Todavia, há mulheres que em condição social superior e privilegiada, como muitas de nós, não consegue ver ou mesmo aceitar que existe desigualdade. Outro dia, em conversa com várias mulheres, ouvi de algumas delas que nãotemos mais que lutar, que o feminismo é um engodo, posto que conseguimos a igualdade pretendida e mais, que se existe, por exemplo, assédio contra as mulheres, por outro lado, as mulheres também assediam. Nesse caso do assédio, esquecendo que as implicações de um assédio masculino são infinitamente superiores a de um assédio feminino que não se dá em condições de relações de poder, mas em jogos de conquista. Pois bem, a maioria das  presentes ao encontro,  ocupa cargos em instituições que exigem alto grau de formação e, portanto, não diferencia os ocupantes por seu sexo.

 

 

Nesse contexto social, o absurdo é perceber que mesmo com as oportunidades e os privilégios que tiveram e que lhes possibilitaram uma boa formação e um ótimo trabalho, não conseguem ver que as oportunidades não são iguais para a maior parte das mulheres, pois estão em condições econômicas, sociais e educacionais diferenciadas e sem o amparo legal de um Estado cada vez mais injusto.

 

 

Bourdieu, sociólogo francês,  ao escrever A dominação masculina, conclama as mulheres para se comprometerem com uma ação política; chama a mulher para combater o poder e a dominação masculina que seria uma violência simbólica imposta pelo mundo dos homens, potencialmente machista,  à condição feminina, dissimulando as relações de forças que sustentam e estruturam as relações sociais e até pessoais.

 

Já falei nesta coluna sobre Feminismo e me coloco como feminista a partir do meu lugar social. Naquela ocasião, destacava o reconhecimento de todas as identificações  e identidades do feminino trazendo para a mesma luta todas as pessoas que se identifiquem com a condição feminina. Desde mulheres belas e recatadas a mulheres lésbicas, trans, bi, enfim, mulheres.

 

 

E é esse universo de grande diversidade que me faz acreditar que longe estamos de qualquer igualdade universal. Ter o mesmo salário que os homens, na minha condição de professora de uma universidade pública, ou de médica, ou de promotora ou procuradora, não significa absolutamente nada para as mulheres que catam lixo, que quebram coco, que trabalham na roça, que ocupam funções domésticas. Muito menos, para as mulheres negras que surgem nas pesquisas como as mais expostas a violência de todo o tipo, ou mesmo, as mulheres trans, completamente marginalizadas e perseguidas.

 

Infelizmente, queridas amigas fechadas em seus mundos pequenos e perfeitos; o mundo é muito mais cruel do que pensamos. Para as mulheres então, a sociedade opressora que digere a dominação masculina como natural chega a ser fatal para toda e qualquer oportunidade que uma vida feminina possa ter.

 

 

A pesquisa, Vísivel e invisível: a vitimização das Mulheres no Brasil, realizada pelo Data Folha e contratada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016, revelou que os números da violência banalizada chega a atingir diretamente 30% das brasileiras, pois uma em cada três mulheres com 16 anos ou mais, já foi espancada, xingada, ameaçada, agarrada, assediada, perseguida esfaqueada, empurrada ou chutada nos últimos 12 meses.

 

 

A pesquisa revela ainda que a maioria das agressões aconteceram principalmente em casa ( 43%), na rua (39%), mas também no trabalho (5%) e na balada (5%). Desse universo, as mulheres que mais sofreram agressões foram as da faixa etária entre 16 e 24 anos ( 45%).

 

 

Vale destacar que os pesquisadores envolvidos no estudo, fizeram uma projeção de que a cada hora, 503 mulheres foram vítimas de alguma agressão durante o período analisado. E mais,  que,  dois em cada três brasileiros presenciaram a violência (66%) e a aceitaram como normal.

 

 

Outra questão extremamente preocupante revelada é que 52% das agredidas não fizeram nada com medo da repressão e da exposição pública e mais ainda, no meio das que procuraram alguma ajuda, somente 11%  prestaram queixa na Delegacia da Mulher.

Se falarmos dos casos de estupros a coisa é muito mais complicada. O Mapa  da Violência no Brasil publicado em 2016 e referente aos anos anteriores revelou que a cada 11 minutos uma mulher é violentada nesse país maravilhoso. Isso nos diz que aproximadamente 150 mulheres são estupradas por dia no Brasil.

 

 

Quando tratamos de assassinatos a situação é gritante e nesse ponto, as mulheres negras são as que mais sofrem. Ainda segundo o Mapa da Violência disponível no link http://www.mapadaviolencia.org.br/ ,  (lembro que já falei sobre isso aqui, mas vale a pena retornar). Pois bem, segundo o mapa, os assassinatos de mulheres negras vem crescendo assustadoramente, entre 2002 e 2013 cresceram 54,2%, enquanto que o de mulheres brancas caiu em 9,3%.

 

 

Então caríssimas mulheres,  ao tempo em que somos a maioria da população, ao tempo em que estamos galgando cargos no mercado e no Estado, mas ainda timidamente e não com força suficiente para provocar o rompimento cultural da dominação masculina; a maioria de nós continua não apenas submissa ao discurso masculino e machista, mas está em condições de vulnerabilidade que faz de nós uma população dominada, tanto nos espaços públicos, como nos espaços privados, onde acontece o maior número de violências contra a mulher.

 

 

Pedir que as mulheres que sofrem qualquer violência denunciem é muitas vezes cruel, visto que a sociedade é esse poço de preconceitos e se não nos comportamos como belas e recatadas, somos taxadas de violentas e loucas por lutarmos pelos nossos direitos. A misoginia disseminada contamina as mentes femininas que se submetem ao poder do machismo.  Está na hora de desconstruirmos a simbologia do poder do macho e aceitarmos a condição de igualdade como essencial para vivermos em paz.

PARA DANDARA DOS SANTOS  com um pedido de perdão pelo Brasil!

Ana Regina Rêgo

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