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Sexta-feira, 29 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

06/04/2017 - 17h54

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

06/04/2017 - 17h54

Sobre a naturalização, a banalização e os equívocos relacionados ao conceito de democracia

Deputado federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ)

 Deputado federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ)

Tomei uma decisão bastante radical recentemente ao pedi que os seguidores de um político se retirassem (sutilmente) do meu perfil em uma rede social. Fui apoiada e criticada obviamente. Ambas as posturas demonstradas com respeito foram bem-vindas e até mesmo as críticas mais violentas foram respondidas com passividade, contudo, foi exatamente a crítica de um amigo muito querido que me fez escrever este artigo hoje.

 

 

Em primeiro lugar o político não é um político qualquer, é Jair Bolsonaro que se encontra em campanha desde o ano passado por todo o país.  Em segundo lugar é válido enfatizar, que a maioria das críticas não veio de seguidores dele, mas de amigos e de não amigos, que consideraram a minha postura antidemocrática, ou seja, se utilizando de uma concepção naturalizada do conceito de democracia como sendo o lugar do tudo pode.

 

 

Bem, antes de falar sobre o conceito e sua naturalização, relaciono poucos eventos que me fizeram tomar essa decisão:

 

 

1. Apologia à tortura feita pelo já candidato mencionado, em inúmeros momentos, a começar por uma entrevista no final da década de 1980, até os dias atuais quando vem reafirmando dia-a-dia ser favorável a essa prática, inclusive, quando da votação na Câmara  Federalsobre o impedimento da ex-Presidenta Dilma Rousseff, ao reverenciar o torturador Coronel Ustra.

 

2. Apologia à morte dos opositores em frases como “ o erro da ditadura foi somente torturar e não matar”.

 

3. Apologia ao estupro.

 

4. Homofobia declarada e pregada a cada seguidor.

 

5. Por último depois de atacar mulheres, homossexuais e pregar abertamente o desejo de retorno àditadura,  resolveu atacar diretamente os negros e os indígenas esta semana na Comunidade Hebraica no Rio de Janeiro.

 

 

Para esse senhor tão defendido,  supostamente porque tem direito a falar com liberdade, mesmo cometendo crimes de ódio e incitando a população; os índios que residem nas reservas e os negros descendentes de quilombolas são imprestáveis. No caso dos negros ressalta, em suas palavras, que não servem mais nem para procriar. (OBS: nada do que falo aqui é surpresa ou segredo, tudo está disponível na internet em milhares de vídeos em que as absurdas falas desse senhor ferem o Brasil e seu povo, por favor, digitem o nome dele no senhor google eassistam os vídeos, pacientemente).

 

 

Bem no entendimento naturalizado e deturpado do conceito de democracia esse político tem todo o direito de destilar o seu ódio por onde quer que vá, afinal a democracia é o palco da liberdade. É aí em que a coisa não é exatamente assim porque sim, a democracia é o lugar em que as liberdades individuais e coletivas devem, não somente existir mas, sobretudo, ser respeitadas. E aqui vale ressaltar uma fala de Satre, mas também de um adágio popular, que é muito simples e direta e que diz apenas: A liberdade do ser humano tem como limite a liberdade do outro. O desejo de Bolsonaro de querer torturar esbarra no direito da nação de não ser torturada, esbarra na liberdade do outro. Então na democracia as liberdades devem manter respeito entre si.

 

 

Como não o fazemos, ou seja, não respeitamos as liberdades, todas as questões elencadas acima e objeto dos discursos em que o referido deputado destila seu ódio, foram alçadas ao patamar da lei e constituem crimes, logo não é democrático pregar crimes por toda a nação, crimes contra a humanidade.

 

 

Dito isso, saio de cena para abrir espaço para quem pode dizer efetivamente O QUE DEMOCRACIA?

 

 

Chamo Alain Touraine, como poderia chamar Tocqueville, ou mais recentemente Habermas, Bourdieu, etc.. Pois bem, parao sociólogo Touraine“ a democracia não é somente um conjunto de garantias institucionais, ou seja, uma liberdade negativa. É a luta de sujeitos, impregnados de sua cultura e liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas; [...] ela é o lugar da política do sujeito”.

 

 

A democracia como o lugar em que o povo ascende ao poder, mas não toma posse, cria paradoxos, na visão de Touraine, “ o poder do povo significa a capacidade reconhecida ao maior número possível de pessoas para viverem LIVREMENTE, isso é, construírem sua vida individual através da associação entre o que são e o que pretendem ser, e da resistência ao poder em nome tanto da liberdade quanto da fidelidade a uma herança cultural”.

 

 

Para este autor, “ o regime democrático é a forma de vida que dá a maior liberdade ao maior número de pessoas, que protege e reconhece a maior diversidade possível”.  Assim e aqui falo eu, Ana: _ tudo o que afronta esse principio se põe em rota de colisão com a própria democracia.

 

Ainda para Touraine, “ o que define a democracia não é, portanto, somente um conjunto de garantias institucionais ou o reino da maioria, mas antes de tudo O RESPEITO PELOS PROJETOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS, que combinam a afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social, nacional ou religiosa particular. A democracia não se apoia somente nas leis, mas sobretudo em uma cultura política. A cultura democrática tem sido, frequentemente, definida pela IGUALDADE.  Aqui entro mais uma vez euzinha, Ana, e afirmo que tudo o que afronta essa cultura democrática, esse respeito a todos e sobretudo, a concepção de que todos somos iguais, afronta diretamente a democracia.

 

 

Mais uma vez, Touraine é lúcido ao nos esclarecer que “ o que faz a ligação entre liberdade negativa e liberdade positiva é a vontade democrática de fornecer àqueles que estão sob tutela e são dependentes a capacidade para agirem livremente e discutirem de igual para igual, a respeito de direitos e garantias, com os detentores dos recursos econômicos, políticos e culturais. É a razão pela qual a negociação coletiva, e mais amplamente a democracia industrial, foram uma das grandes conquistas da democracia”. Eu, Ana: _ assediar o cidadão comum e incitar o ódio entre os participantes de uma comunidade não é apenas NÃO democrático é uma postura que extrapola a esfera do humanismo.

 

Em outro ponto, Touraine afirma que “ para ser democrático, um sistema político deve reconhecer a existência de conflitos de valores insuperáveis e, portanto, NÃO ACEITAR qualquer princípio central de organização das sociedades, nem a racionalidade ou a especificidade cultural [...]. Se a pluralidade de interesses pudesse ser resolvida e culminar em uma gestão racional da divisão do trabalho e dos interesses, a democracia não seria realmente necessária. Ela o é porque o desenvolvimento econômico pressupõe, simultaneamente, concentração dos investimentos e repartição dos produtos do crescimento e porque não há regra técnica que permita combinar essas duas exigências, certamente complementares, mas igualmente opostas”. Aqui eu, mais uma vez me coloco, para ressaltar que podemos nos colocar de um lado ou de outro, mas NÃO podemos desejar a morte do outro, torturar o outro, subjugar o outro, desqualificar o outro, sobretudo, as minorias que foram historicamente dominadas. Então se as minhas ações e palavras agem nesse sentido, estou indo contra tudo o que se enquadra entre os princípios democráticos.

 

 

Nesse contexto é válido enfatizar que nenhum regime ditatorial ou totalitário pode ser democrático. Podemos e temos no mundo regimes ditatoriais que adotaram a economia de mercado, mas cujas liberdades individuais e coletivas foram suprimidas. Assim é que movimentos que caminham para a extrema direita como a do senhor aqui citado, ou para a extrema esquerda, não condizem com a democracia. A liberdade pressupõe igualdade, pressupõe reconhecimento e justiça. Não pode haver liberdade somente para grupos privilegiados em detrimento de uma grande maioria.

 

 

Portanto, se para defender a liberdade de todos, eu for enquadrada como antidemocrática por uma visão naturalizada e equivocada, que assim seja.

 

Assim é que nesse contexto melancólico de disputas pela verdade democrática chamo mais uma vez Touraine para a palavra final, “ uma sociedade não é naturalmente democrática, mas torna-se democrática se a lei e os costumes vierem a corrigir as desigualdades dos recursos e sua concentração, e permitir a comunicação [...]. Em uma democracia industrial são impostos  limites e obrigações aos grupos dominantes para permitir o acesso dos assalariados à negociação coletivas das condições de trabalho. Essa intervenção é indispensável para que as categorias e os indivíduos dominados saiam da sombra, deixem de ser considerados como recursos ou massa, e para que cada individuo possa ser reconhecido em sua particularidade”.

 

 

E por fim, ressalto que tudo o que coloquei até aqui como amparo de Touraine,foi  somentepara reafirmar o que disse em outro espaço, ou seja, que o respeito à diversidade e liberdade de pensamento não pode colidir com as liberdades individuais e coletivas, sob pena de sair do escopo democrático. Fica a dica!

Ana Regina Rêgo

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