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Sexta-feira, 29 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

14/04/2017 - 11h17

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

14/04/2017 - 11h17

A banalidade do Mal em nossos dias

O início do título do artigo de hoje é obviamente um plágio de Hannah Arendt, em quem me inspiro para desenvolver as palavras que se seguem. Nesse âmbito, vale dizer que o nosso objetivo aqui é falar, infelizmente, apenas para poucos que se propõem a ler qualquer texto que ultrapasse dez linhas. De qualquer modo, a intenção caminha, portanto, no sentido de tentar despertar no homem comum o interesse pelo pensar, se não o pensar filosófico profundo, impossível sem as leituras e vivências, mas o pensar no outro e nas consequências de seus atos para a sociedade. Em suma, nosso interesse é despertar a consciência de si, em cada um.

 

Quando Hannah Arendt realizou a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pela tortura e morte de milhares de judeus, ela, trabalhando como repórter da  The New Yorker, conseguiu observar e compreender que o mal em si, não é algo que se situe em um certo lugar e em certas pessoas, mas que ele se encontra em qualquer indivíduo comum. Ele não se esconde sob a forma de um anjo decaído que se fortalece com as forças do inferno, mas se faz presente no dia-a-dia sobretudo, quando não se pensa no que se propõe e no que seus atos podem provocar no outro.

 

 

Para Hannah Arendt, Eichmann se revelou uma pessoa incapaz de pensar, ou melhor, que nunca parou para pensar em seus atos ou para refletir sobre a natureza cruel de suas ações. Não encarava os atos como do mal e possuía uma linguagem estruturada em certezas apresentadas em frases prontas tais como: “ minha honra é minha lealdade”; “ sempre cumpri o meu dever”.  A filósofa e jornalista Arendt,  o descreve como um homem medíocre no sentido de que não demonstrava nenhuma capacidade ou interesse em pensar e que até se envaidecia com as atenções que atraía durante o julgamento.

 

O próprio Eichmann durante o julgamento não se coloca como portador do mal, ao contrário, julgava que tinha sido leal a sua instituição, seu país e seu povo e tinha cumprido ordens com rigor, não lhe cabia questionar, somente cumprir as ordens de seus superiores. Para ele,  todo o seu trabalho foi muito bem feito. Não havia pessoalidade nos atos, e, portanto, não havia a intenção de ser mal por ser mal, apenas cumpria ordens.

 

Os crimes  que cometeu não lhe pareciam bárbaros porque nunca pensou neles, não via nas vítimas, seres humanos capazes de despertar compaixão, ou, de ao menos ter direito à vida. Em sua concepção, como da maioria dos nazistas, os judeus eram  apenas componentes de uma “raça”, que como divulgado exaustivamente através dos meios de comunicação e da escola na época,  “deveria e merecia” ser exterminada, porque em tese, fazia mal à sociedade alemã e sua raça ariana. Sua mente refletia, sem nenhuma reflexão, o antissemitismo disseminado e arraigado na Europa desde o século XIX.

 

É nesse contexto que a autora tenta explicar que o mal não é  algo especial, único, nem tampouco uma designação de Lúcifer, mas é tão somente e portanto, banal, visto que parte das possibilidades postas pela liberdade humana, vem do livre arbítrio. No caso de  Eichmann;  Arendt, embora muito contestada a princípio, demonstra como um indivíduo comum sem grandes pretensões, com uma personalidade simplória foi capaz de realizar atrocidades. Para Hannah Arendt,Eichmann não era um monstro, ainda que suas ações fossem monstruosas. Ela realiza tal observação tendo como ponto de apoio tanto suas próprias entrevistas com o réu, como as avaliações dos psicólogos que acompanharam o julgamento e para quem ele, o réu, não era apenas normal, mas inteiramente um homem com ideias positivas.

 

 

Porque trago Eichmann e a banalidade do mal hoje, para observar aos que se propuserem a ler este pequeno texto, que não havia maldade potencial naquele sujeito,  havia nele somente o desejo de cumprir suas obrigações e seguir seu Fuhrer, sem questionamentos. Sua lealdade estava acima de tudo. Ele acreditava que estava fazendo o melhor para seu povo, mesmo que fosse torturar, subjugar e assassinar milhares de pessoas de outra “raça” (uso o termo raça aqui em sua temporalidade, no contexto do holocausto).

 

Nesse panorama, trago de forma sintética a  análise de Arendt sobre Eichmann para propor reflexões sobre a banalização do mal em nossos dias e em nosso país. Expressões muito comuns tomaram corpo em bocas esclarecidas tais como: bandido bom é bandido morto! Outras referentes à corrupção que se alastrou em todas as esferas do poder no Brasil e que fazem as pessoas ficarem descrentes e desejarem justiça, nem que seja com as próprias mãos.

 

Eis o momento do risco que parte de uma sensação completa de insegurança e de medo que impregna a sociedade. É do medo que nasce o mal mais banal, não vem por uma determinação do demônio, mas vem por uma injunção nossa de desejar torturar o outro, desejar vingança e a morte dos que estão sendo acusados de corrupção, desejar a morte dos que caíram na vida de crime.

 

Então, muito cuidado ao seguir pessoas que surgem como Messias para salvar o mundo, mas cujas ações andam na contramão do Messias, ou seja, não correm no sentido de compartilhar, não correm no sentido de libertar, não correm no sentido de propor a comunhão e o respeito.

 

Muito cuidado para ao tentar se proteger não pregar e desejar o mal do outro. Lembrem-se a lei é para todos e não falo tão somente da legalidade penal, mas da ordem das coisas,  pois ao desejarmos torturar o outro, podemos acabar sendo nós os torturados. Ao tratar o estupro e a violência contra a mulher como banal podemos acabar sendo estuprados. Ao desejar matar o outro podemos acabar sendo assassinados.

 

Em suma, a consciência de si que cada um nós deve despertar, passa por exemplo, por pensar que os ensinamentos religiosos, não são apenas palavras postas em livros sagrados e lidas nas cerimônias aos domingos, mas trazem através de metáforas ensinamentos que nos propõem reflexões. São princípios éticos que visam nos guiar em um mundo sem fronteiras e sem a vigilância da lei.  Portanto, cabe pensar: Quem é o ladrão que está ao seu lado e que merece ser perdoado? Cristo absorveu o ladrão na hora da própria morte.

 

Por fim, relembro que a democracia não é o lugar do tudo pode. A democracia é, acima de tudo, o lugar das liberdades e do respeito, principalmente, o respeito aos princípios democráticos que prezam pela vida em sociedade, pela conservação da vida humana, pela tolerância. Tudo o que nos desvia desse caminho deve ser combatido, sob pena de perdermos a liberdade que nos resta. (Aqui encontramos um paradoxo e uma antítese, mas ambos são necessários para preservar a própria democracia). Lembrando, por fim, as ações de Eichmann, que pela liberdade de escolha se impôs a prisão e a morte aos supostos opositores.

 

Proponho, portanto, pensarmos para além de nós. Não basta ir a igreja rezar e acender uma vela e logo depois sair destilando ódio por onde passa. Assim como, seguir pessoas cujo pensamento pregam o ódio aos homossexuais, aos negros, aos índios, as mulheres. Pregam a tortura e o fim das liberdades.

 

Bem, desejo que esta páscoa seja de reflexão! Aonde está o mal em nós? 

Ana Regina Rêgo

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