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Quinta-feira, 25 de abril de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

11/05/2017 - 10h48

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Ana Regina Rêgo

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11/05/2017 - 10h48

A Democracia e seus modelos

Hoje continuo com a temática da democracia na intenção de tentar desnaturalizar o conceito pelo menos entre os meus leitores. Nas colunas anteriores falei de democracia a partir da visão de Alain Touraine, depois visitei Norberto Bobbio e hoje trago um pouco deHabermas.

 

 

Jürgen Habermas em seu livro Direito e Democracia, em dois volumes, aborda, dentre outras questões concernentes ao tema: os modelos de democracia, o papel da sociedade civil na esfera pública, a soberania do povo como um processo, e, soberania e identidade nacional. Obviamente que não conseguirei aqui, fazer nenhuma síntese capaz de traduzir em duas laudas que compõem este meu espaço opinativo, todo o pensamento do sociólogo alemão, mas tentarei, inicialmente, trazer algumas de suas ideias. Como dito, minha intenção é, tão somente, desnaturalizar o conceito que permeia o imaginário simbólico coletivo.

 

 

Como afirmei em um dos artigos anteriores partimos,bem antes de aqui adentrarmos pelo pensamento habermasiano, do pressuposto de que do ponto de vista da essência dos fenômenos, democracia e regimes autoritários são potencialmente divergentes. Contudo, como apresentado no artigo da semana passada, ambos os regimes ( democrático ou autoritário) guardam paradoxos concernentes às liberdades e aos direitos; paradoxos que muitas vezes contratariam seus princípios basilares, revelando a condição  já aventada por Aristóteles e atualizada por Agamben no processo de análise do pensamento e que aqui usamos como analogia, para trazer a premissa de que toda potência carrega em si, uma impotência, portanto, todo poder é também um não poder. Ambos os regimes do ponto de vista do Estado carregam potências concernentes à sua própria condição essencial, seja democrática ou autoritária, que oscaracteriza, mas que nem sempre se revelam através do processo imagético.

 

 

As ditaduras, por exemplo, se revelam às sociedades subjugadas de modo divergente de suas essências, ou seja, comunicam valores que não são potencialmente seus dando a impressão de que guardam direitos e liberdades para assim adquirir a aprovação de seu povo. Inúmeros exemplos de falas com afirmações democráticas que partiram de representantes da ditadura civil-militar no Brasil, podem ser localizados nos periódicos das décadas de 1960 e 1970.  Por outro lado, as democracias guardam nas sombras e nos bastidores do poder, sua condição de impotência democrática, pois negociações escusas trabalham em prol da retirada de direitos da população( normalmente menos favorecida do ponto de vista econômico, social e educacional). Obviamente, todo esse processo de negociaçõesé realizado dentro das instituições ditas democráticas, portanto dentro do escopo do regime escolhido, mas onde as práticas dos ocupantes deslocam os princípios e os situam em outro patamar, revelando por vezes indícios de autoritarismo através de consensos forjados e não visibilizados pela imagem projetada de um determinado regime democrático.

 

 

Para este autor, “[...] o processo da política deliberativa constitui o âmago do processo democrático”, o que influi nos modos de pensar uma sociedade centrada no Estado em que se situam os modelos democráticos tradicionais e vai além, influenciando ainda no “conceito republicano de uma comunidade ética institucionalizada na forma de Estado”.

 

Para Habermas, na perspectiva liberal são os compromissos relacionados ao conjunto dos interesses que consolidam o processo democrático. Ou seja, são “ as regras da formação do compromisso, que devem assegurar a equidade dos resultados, e que passam pelo direito igual e geral ao voto, pela composição representativa das corporações parlamentares, pelo modo de decisão, pela ordem dos negócios, etc.”. Lembrando aqui o que já ressaltei no artigo anterior: _no modelo liberal o Estado tende a ser mínimo e o mercado tende a se autorregular, logo há uma desigual situação de poder nas esferas da negociação política no Estado e no mercado, visto que as composições das bancadas refletem em geral o poder de determinados grupos com superioridade econômica que os possibilitam maior ascensão e visibilidade sobre a sociedade, muitas vezes abrindo as portas para acordos ilegais e até práticas corruptivas. Obviamente, existem democracias liberais cujas leis eleitorais e regras publicitárias limitam o poder comunicativo, desautorizando as negociações prejudiciais entre Estado e mercado e impedindo os abusos, mas como estou no Brasil é neste contexto quesituo minhas ponderações. (Vale destacar que o ambiente analítico de Habermas é a Europa, logo em que se encontram democracias com características bem diferentes das nossas).

Por outro lado, Habermas também situa a democracia pela ótica republicana que contempla uma “formação democrática da vontade realizando-se na forma de um auto-entendimento ético-político , onde o conteúdo da deliberação dever ter o respaldo de um consenso entre os sujeitos privados e seu exercido pelas vias culturais”.

 

Seguindo em seu caminho analítico dedica-se a teoria do discurso que congrega características liberais e republicanas na compreensão democrática priorizando, no entanto, a formação discursiva de visualidade da prática democrática.  Na visão da teoria do discurso, segundo Habermas , “ a razão prática passa dos direitos humanos universais ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade para as regras do discurso e as formas de argumentação, que extraem seu conteúdo normativo da base de validade do agir orientado pelo entendimento e, em última instância, da estrutura da comunicação linguística e da ordem insubstituível da socialização da comunicação”.

 

Ao destacar a importância da sociedade no contexto democrático republicano, o autor mencionaque  o processo de formação da opinião e da vontade das pessoas compõe o principal meio pelo qual as democracias se estruturam. Nesse contexto, a sociedade é em si, potencialmente política, pois é através da consciência do corpo social que a democracia se coloca como sinônimo de organização politica da sociedade. “ Disso resulta uma compreensão de política dirigida polemicamente contra o Estado” . Aqui Habermas menciona Hannah Arendt, em quem identifica uma concepção republicana de democracia, pois a autora, nas palavras de Habermas, defende que a esfera pública deva ser “revitalizada contra o privatismo de uma população despolitizada e contra a legitimação de partidos estatizados”, com o objetivo de reconstruir uma cidadania que possa se apropriar do poder do Estado propondo uma organização descentralizada.  Vale destacar que Arendt referia-se aos perigos dos governos pautados em uma sociedade apática e despolitizada, portanto, vulnerável às proposições dos discursos de salvação. O Brasil de hoje, neste contexto, é ideal para análise deste pensamento de Arendt.

 

 

Mas Habermas destaca ainda, que no modelo liberal a separação entre Estado e sociedade deve ser superado pela democracia. Nesse modelo, a compreensão política está centrada no Estado e não se “orienta pela formação política racional da vontade, mas pela avaliação bem sucedida das realizações da atividade do Estado”. O modelo liberal não se concentra na vontade das pessoas que representam o povo no Estado, mas na “normatização constitucional e democrática de uma sociedade econômica”. Nesse contexto, é a satisfação das expectativas que guiam o processo de aceitação do modelo democrático liberal.

 

 

Por fim, fica a dica para exercitarmos o pensamento democrático desconstruindo as certezas cristalizadas em nosso meio. Hoje voltamos às diferenças entre os modelos democráticos, liberal e republicano, na concepção de Habermas, mas já abordadas anteriormente na visão de Bobbio; com a intenção de trazer mais subsídios para a construção de um novo modo de ver a democracia.

Ana Regina Rêgo

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