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Sexta-feira, 29 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

17/08/2017 - 09h44

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

17/08/2017 - 09h44

Teresina, 165 anos, retrato de um Brasil

 

Teresina chega aos seus 165 anos com grandes desafios pela frente. Atualmente são residentes no núcleo urbano quase 1 milhão de habitantes, cuja grande maioria vive à margem  do acesso aos direitos básicos constitucionais, e quando conseguem acessar, nem sempre a qualidade garante um bom resultado. Falo do sistema público de saúde, falo do sistema educacional, falo do transporte urbano, falo do acesso às condições de criação, produção, fruição e consumo de cultura, dentre outros campos.

 

Ainda é para nós privilegiados moradores da zona leste (região que simbolicamente reflete o poder econômico na capital piauiense) para onde convergem as principais benfeitorias. Aqui reside uma minoria que prega acessibilidade, mobilidade urbana, etc.,mas quevê a grande massa de excluídos como o outro e assim se refere, com intenção de mantê-los sempre no lugar dos necessitados, para que nós possamos exercer sempre nossas boas ações de ajudar os menos favorecidos, nunca com o desejo de que o outro cresça e venha ficar ao nosso lado. O outro do qual tenho medo e é o medo que nos domina e nos separa.

 

Atualmente se houve em muitos grupos de discussão, debates sobre como deveria ser Teresina do ponto de vista urbanístico, de preferência, adotando os modelos e discursos de mobilidade urbana e acessibilidade que nos chegam através de pensadores das cidades em um movimento de devolução das cidades para as pessoas, de retorno às possibilidades do caminhar. Movimento que julgo muito pertinente, visto que a maior parte dos teresinenses caminha muito todos os dias.

 

Caminha para chegar ao trabalho, caminha para chegar à escola, caminha para chegar no posto de saúde, caminha para ir ao mercado, caminha para ir a Igreja, simplesmente porque essa é a principal opção de deslocamento. O grande problema dos moradores desta linda cidade é ter que se descolar sem condições dignas e em um sistema de transporte público caro que atende de forma parcial. E mais, ter que caminhar onde não há um passeio adequado, ou pior, onde não há passeio algum. Caminha-se, inclusive, no centro da cidade, por calçadas estreitas e esburacadas, que ainda são ocupadas por carros de pessoas sem educação e sem noção. Em muitos trechos não mais existem calçadas e caminha-se na rua disputando com carros, motos e bicicletas, para exercer o direito de ir e vir. 

 

É bem possível que alguns de meus leitores venham a pensar e expressar a sua insatisfação, por eu está trazendo à tona problemas e não exaltando a cidade como fizeram quase todos os teresinenses na data de ontem. Porém enxergar os problemas crônicos não significa não está ciente de que projetos estão sendo realizados e políticas estão sendo implementadas, mas divulga-los é dever dos gestores públicos e não meu.

Como observadora da cidade, vejo o que nos falta, vejo as filas de pessoas atrás de postes situados ao lado de paradas de ônibus, simplesmente porque desejam um pouco de sombra enquanto esperam na parada, já que a parada recebe todo o sol da tarde. Ouço pessoas que demoram mais de uma hora na espera de um transporte. Caminho pelo centro da cidade e vivencio a experiência do pedestre anulado frente ao carro. E enquanto motorista vivo caindo em buracos que se acumulam nas ruas de toda a cidade.

 

Quando pensamos em cidade para as pessoas; quando pensamos em uma cidade caminhável, e, em uma cidade como Teresina, me vem à mente que não podemos simplesmente copiar os modelos nórdicos, muito menos os norte-americanos, mas adaptar as boas práticas ao nosso ambiente, cuja temperatura se torna insólita no segundo semestre, se não soubermos conviver com nosso BRO-Ó-BRÓ. 

 

Precisamos de uma cidade como pensaram os nossos antepassados com calçadas largas egrandes árvores. Precisamos de uma cidade integrada sim, mas não com ciclovias que vão do nada ao lugar nenhum. Precisamos que as ruas sejam planejadas nos bairros mais distantes também. Precisamos que equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e cultura sejam disponibilizados às comunidades.

 

Nas memórias de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro narradas em quatro volumes denominados Rua da Glória, podemos perceber as transformações dacidade de Teresina na primeira metade do século XX e que foram pensadas  para melhoria da mobilidade e ao mesmo tempo do clima. “Ao voltarmos de União para as férias, e para ficar em Teresina, a rua da Glória estava em transformação. Estava sendo calçada e arborizada.[...] Não demorou muito e a rua ficou uma beleza, toda calçada  e com amendoeiras plantadas nas calçadas. Mas levou tempo para que elas crescessem e fizessem sombra”. Isso era década de 1930 e se tinha a consciência de que o calçamento aumentaria a temperatura e que a arborização era necessária para manter o conforto ambiental.  Cerca de 40 anos depois as ruas do centro de Teresina foram asfaltadas para privilegiar o carro e as calçadas encolhidas e a maioria das árvores derrubadas.

 

Teresina, antiga cidade verdade, hoje abre espaço para grandes crateras impostas pelos projetos de expansão urbana,especulação imobiliária e pelas grandes invasões de terra. Sem contarmos com os grandes incêndios que acontecem a cada ano, sem que medidas preventivas e punitivas sejam tomadas.

 

Os rios que poderiam nos trazer também uma grande contribuição para o conforto ambiental, estão em estado de abandono. Viramos as costas para os rios e os situamos no lugar do esgoto público.

 

Que modelo de desenvolvimento desejamos para nossa cidade?

 

Em anos passados escrevi nesta coluna passos para que Teresina se tornasse de forma holística um projeto de cultura, abrangendo os campos antropológico e estético-artístico. O projeto inspirado em um pensador catalão chamado Ferran Mascarell, começa pelo reconhecer das necessidades da população nos eixos que aqui já mencionei: transporte e mobilidade, acessibilidade à cultura, saúde e educação; ao que acrescentamos aqui reconhecimento epreservação do patrimônio, dentre outros.

 

Sabemos que o dinheiro público é insuficiente, principalmente, quando desviado pra outras finalidades. Sabemos que os desafios são grandes, mas também temos ciência que somentecom um grande pacto envolvendo poder público, empresariado e sociedade civil será possível  levar Teresina a um outro patamar em termos de cidade cada vez melhor para se viver. 

 

Que os próximos anos de Teresina sejam cada vez melhores! Mas para isso precisaremos de educação e consciência cidadã de todxs os nossos habitantes.  Parabéns Teresina!

Ana Regina Rêgo

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