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Sabado, 04 de maio de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

10/09/2021 - 08h46

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Ana Regina Rêgo

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10/09/2021 - 08h46

O discurso vazio X pandemia e alta do custo de vida

O bizarro, o cidadão de “bem” e seu discurso vazio X a fome, a pandemia, a morte, a gasolina, o gás de cozinha e a carne

Bolsonaristas protestam contra prisão do corrupto Roberto Jefferson pelo STF

 Bolsonaristas protestam contra prisão do corrupto Roberto Jefferson pelo STF

O trabalho de Sísifo ao que nós nos lançamos diariamente, realizando checagem de fatos e trabalhando em redes para combater o imenso e lucrativo mercado da desinformação, que tanto se utiliza da pandemia, quanto do jogo político, sobretudo, jogo que utiliza técnicas inspiradas e similares às utilizadas por Joseph Goebbels,  para vender ideologias complexas e crenças ao invés de fatos, é muito cansativo. Todavia, às vezes nos fazemos otimistas quando por exemplo, em julho deste ano, o Relatório de Mídia Digital realizado pelo Instituto Reuters  em parceria com a Universidade de Oxford divulgou que 82% dos brasileiros estão preocupados com a desinformação, contudo essa “alegria” momentânea dura pouco, visto que a preocupação não é exatamente com a desinformação, mas com a confirmação das crenças pessoais nas mensagens que recebem.

Os fatos estão postos e são vivenciados por todes os brasileiros. O preço do gás de cozinha de quase de R$ 100,00, caro até mesmo para os privilegiados e olha que o privilégio cega e não nem sempre permite que o privilegiado veja a realidade do pobre, para quem, por sinal, o gás de cozinha é um artigo de luxo. O preço do litro de gasolina oscila entre R$ 6,49 e R$ 7,00, algo impensável há dez anos e que limita a mobilidade em um país em que este combustível ainda é o mais utilizado na frota de carros. O número de mortes por Covid-19 no Brasil já ultrapassou os 584 MIL e caminha para os 600 mil.

Quando iniciei minhas pesquisas científicas sobre a desinformação tendo como ponto de partida o Reino Unido e depois os Estados Unidos, não conseguia ter ainda uma visão clara dos grandes e absurdos estragos que o mercado das informações falsas estava fazendo no Brasil, e nem tampouco o tempo necessário para combater e reverter tal processo de construção e manutenção da ignorância.
 
Em diversos momentos pensei que, considerando o desnível educacional de grandes proporções que existe em nosso país, que o problema poderia ser tão somente cognitivo, contudo, os que mais consomem desinformação compõem a linha de seguidores fiéis do Presidente Bolsonaro, e, no atual momento, estes não estão somente entre pessoas de baixa escolaridade, ele ainda mantém apoio entre  pessoas da classe média e da elite, embora haja, diferenças no nível de confiabilidade. Segundo pesquisa do Data Folha de março de 2021, cerca de 14% dos brasileiros seguem o Presidente incondicionalmente, confiam em tudo o que faz e fala e não conseguem discernir entre uma fala, uma postura e uma medida que os prejudica, visto que os fatos estão distantes de seu escopo de crenças. Esses 14% estão vinculados à redes de comunicação estruturadas por redes sociais e aplicativos de mensagem e tem grande participação nas redes evangélicas.  Por outro lado, há ainda um grupo de apoiadores, não tão fiéis e que estavam sofrendo de “espiral do silêncio”, mas que com os atos do 7 de setembro retornaram aos seus postos. Estes correspondem  mais ou menos 20% da população brasileira, de certo modo também influenciados potencialmente por um mercado desinformativo, mas que possui valores que se encontram com os do Presidente, se dizem “cidadãos de bem”, gostam de praticar caridade em suas igrejas, de preferência fotografando e postando nas redes sociais, odeiam o que comunismo que absolutamente não conhecem, assim como, a corrupção que acreditam haver em todo lugar, menos nos processos que envolvem o Presidente, seus filhos, aliados e Ministério da Saúde. No primeiro grupo, a ignorância impera e atendem a todos os apelos de Bolsonaro neste momento pandêmico. Não usam máscaras, não praticam distanciamento social, muitos são terraplanistas e participam do movimento antivacina, se expõem ao vírus e muitos vem a morrer. No outro grupo, a ignorância se volta mais para o não querer saber, não querer vincular a “sua” verdade pessoal aos fatos. Desse modo, teme o vírus, se protege, se vacina e usa máscaras, mas, embora pague quase R$ 7,00 no litro de gasolina recorre aos vídeos fake ou realizados com tecnologia deep fake para crer que este preço ainda é culpa de dois governos passados, do mesmo modo encara os mortos por Covid-19, o preço do gás de cozinha e da carne, como questões distantes ou fora da alçada do governo. Já os pedintes que vê, mas finge não vê, nas ruas é algo que provoca nostalgia, ou seja, aciona uma memória da ditadura civil-militar que tanto desejam trazer de volta, em que a miséria era comum no Brasil, principalmente, no Nordeste. Não se sentem mal, ao contrário os anima a serem “bons”.

O cidadão e a cidadã de “BEM” neste Brasil de MEU DEUS, aliás um Deus, quase sempre, medieval, é nada mais nada menos que um HIPÓCRITA de plantão. Está preocupado com a “família brasileira”, grande responsável pela construção e manutenção do machismo e racismo que mata milhões. Não se incomoda com os números de feminicídios diários, mas se incomoda com o feminismo que defende os direitos da mulher. Não se incomoda com a fome, mas a exemplo do chefe máximo da Nação, Bolsonaro, está mais preocupado com a possibilidade de comprar uma arma que pode matar, do que com o alimento que pode salvar vidas.

Na última terça, 07 de setembro, uma horda de seguidores, cuja convocação atendeu tanto a apelos apocalípticos de dezenas de pastores evangélicos pelas redes religiosas através dos aplicativos de mensagem, quanto a caminhoneiros, motoqueiros e demais públicos convocantes e convocados, cada um através de sua mensagem fake preferida, a que normalmente lhe toca, a que vai de encontro a seus valores. Alguns são motivados por crer que estão combatendo a corrupção, que não enxergam nos absurdos do atual governo. Outros são levados pelas mensagens fraudulentas que envolvem personagens políticos e ministros do STF em práticas condenáveis como a corrupção e a pedofilia. Já alguns têm consciência de tudo isso e apenas possuem valores similares aos do Presidente.

O mundo democrático e teoricamente civilizado está preocupado com os movimentos que anunciam mais um golpe ao regime democrático no Brasil, mas efetivamente para os brasileiros que seguem o presidente, o que pouco compreendem por democracia se vincula somente ao voto universal, não conhecem, não sabem e não entendem o que transforma um país em democrático e principalmente, não veem que já estamos há alguns anos em um regime híbrido. A Medida Provisória 1.068 publicada por Bolsonaro no dia 06 de setembro, um dia antes dos atos provocados por ele, visando coibir a prática de moderação de conteúdo pelas redes sociais, é mais uma dentre as centenas de atitudes antidemocráticas desse desgoverno. A intenção do alcaide deste Brasil foi exatamente proibir que as fakes fabricadas por ele e suas redes de desinformação fossem derrubadas.

Infelizmente, o povo que o segue não sabe exatamente o que a MP mencionada acima representa, inclusive, para sua bios virtual. Nem tão pouco conhece o ranking mundial das democracias e os índices que o conformam. Impossível, portanto, supor que alguém que processa uma fé cega seja religiosa ou política, vá duvidar de uma mensagem enviada por seu pastor, ou mesmo, que não esteja nesse ambiente, vá conferir a fonte de uma notícia e confrontar as narrativas. Como diz meu marido Júlio, infelizmente, esse é o Brasil de pobres de espírito que em Brasília ignorou miséria nas ruas, que em São Paulo levou um falo gigante inflável para a Paulista (sobre essa bizarrice prefiro me calar, mas já sabem que Freud explica) que pediu intervenção militar ao seu próprio governo e usa camisa verde amarela e bandeira dos EUA, assim como, camisetas com o Presidente com arma na mão e pedindo paz e amor. O Brasil não é para amadores e nunca será, há um abismo instransponível e não é somente educacional e cultural, cognitivo e crítico, mas há, sobretudo, um abismo de valores. É o Brasil de uma classe que se vê elite, mas endividada de carro grande e apartamento pequeno, é o próprio celeiro do mal, cego para o outro.

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