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Segunda-feira, 13 de maio de 2024
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Deusval Lacerda

deusvallacerda@bol.com.br

14/07/2016 - 11h31

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Deusval Lacerda

deusvallacerda@bol.com.br

14/07/2016 - 11h31

Consciência pública

Na política, notadamente nos governos, tudo é questão de consciência pública. Não se pode, jamais, construir uma nação, estado-membro ou município se a classe dirigente não possuir perfeita noção ou consciência de como se deve lidar com a coisa pública. É pré-requisito que não pode falhar sob pena de tudo ir por água abaixo. Por isso que, geralmente, quando novos governantes assumem o poder nas esferas públicas do Brasil ocorrem de encontrar a administração em estado vergonhoso, sucateada.

 

Mas para se atingir elevado nível de consciência pública, é preciso praticá-la, treiná-la, reiteradamente. E dentro estritamente dos parâmetros democráticos, pois não existe outro sistema político que permita a consciência pública ou que se possa exercê-la. Nos outros modelos, por exemplo, além da pseudo defesa do bem comum, ainda têm dono e, assim, quem servi-los ou a eles subjugar-se estará em proveito do mandatário, que governa de acordo com os interesses mais mesquinhos, em prejuízo deliberado do todo.

 

A consciência pública não se aflora nos governos democráticos de um dia para a noite, pois carece de longevidade institucional. É preciso aprimorar um feixe de instrumentos normativos e consuetudinários para que ao exercer-se a representatividade popular e a gestão pública se esteja compenetrado do seu papel no regime democrático, para, como acontece ainda no Brasil, os individualismos não se sobrepujarem aos coletivismos.

 

Boa parte da classe política brasileira deve observar que, apesar de o Brasil ter quase duzentos anos de Independência, a democracia ainda é nova, está completando apenas trinta anos. Apesar de gozar-se da estabilidade democrática, e alguns desejarem perpetrar até golpe constitucional usurpando o poder legítimo da presidente Dilma Rousseff, é fundamental se levar em conta que requer da nossa sociedade uma série de reformas para se adequar à evolutiva instrumentalização democrática.

 

Uma das mudanças é a consciência de que a democracia é representação e que, por isso, não se pode fazer tudo na máquina pública visando o poder, mas geri-la em nome de todos para, através do reconhecimento espontâneo, se conquistar os mandatos eletivos.

 

Nessa tomada de consciência dos nossos próceres democráticos, não tem vaga para o individualismo ou grupalismo que lhes cerca visando abocanhar, de qualquer maneira, aadministração pública. Não se deve amalgamar a atividade política com a gestão pública porque, às vezes, a atividade política está conspurcada pela ambição pessoal do próprio político. A administração pública deve estar permanentemente disposta à promoção do bem geral, tendo em vista o Estado suprir democraticamente as suas necessidades por meio do desenvolvimento e do bem-estar dos governados.

 

Na democracia, é imperativo se fazer a transição da atividade política patrimonialista, existente nos outros sistemas, para a atividade política em que tudo se convirja para o atendimento dos anseios da população, razão de ser da democracia. Daí urgir à classe política aprimorar-se nas posturas pouco utilizadas nos arremedos democráticos, como o coletivismo, o associativismo, o comunitarismo, o integracionismo, enfim, em certos procedimentos que vão se incorporando nos sistemas político-administrativos que nascem, crescem e se reproduzem na conformação democrática.

 

Até o mundo mineral sabe que alguns políticos e gestores pátrios não estão à altura da democracia brasileira hodierna. Pois ainda carregam alguns vícios, defeitos e malfeitos dos intrincados sistemas vivenciados pela historiografia política nacional ao longo da História, como no Império, República Velha, Era Vargas, Redemocratização de 1945 e Ditadura Militar, este findado em 1985 e que nos catapultou para o Estado Democrático de Direito insculpido na Constituição do Brasil de 1988.

 

Nos ciclos retromencionados existiram de tudo na política brasileira, menos, é claro, a consciência pública. Foram fases que se consubstanciaram a nobiliarquia, a oligarquia, o caudilhismo, o partidarismo/clientelismo e autoritarismo. Foram artificialismos político-públicos que negavam terminantemente a consciência pública e, com isso, a premissa basilar de que o Estado estivesse efetivamente a serviço da nação, mas aos grupos que lhes serviam. Pois o ideal de construir um grande Estado e um grande povo é inerente tão-somente à soberania democrática.

 

Para tanto, é tarefa das mais difíceis. É preciso, antes de tudo, que os agentes envolvidos assumam a responsabilidade no aprimoramento dos valores democráticos, por tratar-se, nesta etapa, de uma conscientização democrática coletiva. Face às experiências nativas, há ainda interesses arcaicos inibindo a democracia e, por isso, tornar-se imprescindível que se avence para repelir as anomalias do passado. Assim, não há outra saída que não seja as reformas que o Brasil tem de fazer para amoldar as suas instituições à plenitude democrática.

 

Convém esclarecer que ao postergar-se a luta pela consciência pública o nosso sistema democrático continuará embrionário. Sempre faltará alguma coisa. Não atingirá o apogeu democrático universal. Apenas agravará as mazelas, pelo entrechoque das ações públicas em contraposição à ação democrática, em infinita digladiação entre o que pregam os governos e o que devem fazer em prol da sociedade. E, assim, não se chegará ao tão propalado desenvolvimento com paridade social.

 

Dito isto, a quem cabe a consciência pública? A toda a sociedade, principalmente a classe política que é guardiã do bem coletivo. Os governos não podem ficar aguilhoados entre o que devem fazer e o que deverão fazer aos que lhes dão sustentação.  Enfim, a nossa classe política deve se eximir dos erros que não devem mais cometer-se na democracia, e evoluir para não forjar políticos que encarecem os seus empreendimentos eleitorais sem condições de bancar tão elevado custo pecuniário. Assim, é bom lembrar o escritor maranhense Humberto de Campos: “prefira enfrentar o mundo servindo a sua consciência, a enfrentar a sua consciência para ser agradável ao mundo”.

 

Deusval Lacerda de Moraes é economista

Deusval Lacerda

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