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24/07/2012 - 07h31

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24/07/2012 - 07h31

Compra de votos é explícita, mas falta de provas dificulta processos

"Quem comprou o voto vai tentar coagir as testemunhas a não depor", diz procurador.

 O Dia

 

Se há uma peculiaridade entre as eleições municipais, estaduais e nacional essa característica é a compra de votos. A prática desse tipo de crime, mesmo sendo um fator histórico - fato comprovado até mesmo pela sua proibição desde o Código Eleitoral brasileiro de 1965 - até hoje não foi abolido do processo eleitoral tanto pela conduta dos maus candidatoscomo dos próprios eleitores. 

Mesmo sendo uma prática recorrente em todas as eleições, a grande dificuldade da Justiça é conseguir a produção de provas para punir os infratores. De acordo com o procurador eleitoral, Alexandre Assunção, que já analisou vários processos, imagina-se que em razão da quantidade de processos julgados os infratores teriam pelo menos um pouco mais de cuidado, mas não têm. 

"O que acontece, muitas vezes, é que depois fica difícil conseguir a prova. Quem comprou o voto vai tentar coagir as testemunhas a não depor. Embora você saiba que acontece, a prova depois fica escassa: some, muda-se o depoimento ou ninguém quer falar. Tem compra descarada, a pessoa entra na casa da outra perguntando o que ela está precisando, como pagar uma fatura, e depois efetua o pagamento. Pode tanto haver uma coação, como o candidato pedir para o eleitor não falar nada após as eleições", explicou.

A compra ou venda de voto ocorre de inúmeras formas: distribuir vales de combustível, oferecer medicamentos, consultas médicas, aparelho ortodôntico, emprego, conserto ou compra de peças para veículos e, uma das principais, o fornecimento de material de construção. Prometer, oferecer qualquer vantagem ao eleitor para obter seu voto configura compra de votos.

O procurador regional eleitoral, Alexandre Assunção 

Também é crime o eleitor que aceita vender seu voto e que aceita a promessa. Uma empregada doméstica de Teresina, que não quis se identificar, afirma que na última eleição municipal saiu com uma amiga atrás de vários candidatos pedindo "ajuda" em troca do voto. Ela lembra que faz isso em todas as eleições, mas que nunca ouviu falar que alguém foi processado.

"Na eleição passada eu fui atrás de muitos. De uns consegui R$ 20, R$ 30, consegui óculos, exames e um monte de promessas que nunca cumpriram. Muitos eleitores estão preocupados apenas com sua existência, aí vota nesses que dão as coisas. Eu não", admite, ressaltando que já tem sua meta para estas eleições: "uma carrada de areia grossa e uns sacos de cimento".

Ela ainda cita como acontece na prática. "Geralmente a gente sabe pelas colegas ou pelos vizinhos de um candidato e vai atrás dele. Em outras vezes, eles mandam uma pessoa de confiança [cabo eleitoral] para conversar com as pessoas, pedir o voto e ver o que a gente quer para dar o voto. Nenhum chega com uma proposta pronta. Eles esperam a gente pedir", admitiu uma empregada doméstica.

O procurador Alexandre Assunção diz que os promotores precisam que a população colabore com denúncias de onde está havendo a venda/compra de votos, assim como os próprios candidatos e partidos políticos devem denunciar. "Se a pessoa não quer se identificar, se sabe que determinada pessoa está vendendo voto, está com dinheiro, diga onde a pessoa está, em que carro ou onde é a casa e peça que o promotor faça a apreensão. É muito importante que haja denúncia de irregularidade de compra de votos para que sejam acionados na Justiça", explica.

O presidente da Associação dos Magistrados Piauienses, José Airton Medeiros, acredita que está havendo maior atuação do Ministério Público, dos candidatos e partidos políticos que estão denunciando mais, o que contribui com o objetivo dos órgãos de fiscalização: produzir provas para punir essas pessoas que infringem a lei. "E com essa fiscalização aumentando as práticas vão reduzindo e a compra de votos vai deixar de ser corriqueira. Com o tempo eas punições aumentando, essas pessoas passam a perceber que o cerco está se fechando e diminuem a prática", alertou o magistrado.

Lei pune tanto candidato que vende como eleitor que compra voto

De acordo com o procurador eleitoral, Alexandre Assunção, há duas possibilidades de punição: o processo criminal e o cível-eleitoral. O processo criminal está no artigo 299 do Código Eleitoral, que é comprar ou vender o voto. Nele, pode praticar o crime tanto o candidato que compra como o eleitor que vende. A pena é de reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Há também o processo cível-eleitoral, que é a captação ilícita de sufrágio, previsto no artigo 41-A da lei 9.594/97, praticado pelo candidato a partir do momento que ele registra candidatura até o dia das eleições, quando ele oferece qualquer vantagem ao eleitor para obter seu voto. Se comprovado o ato ilícito, a consequência é a cassação do mandato ou do registro e aplicação de multa de mil a 50 mil Ufir. 

Nesse caso, Alexandre Assunção explica que quem vendeu o voto não recebe punição, visto que a norma é direcionada apenas ao candidato. O procurador lembra ainda que para ser configurada a compra de votos não é necessário haver pedido explícito, basta uma promessa específica ao eleitor. "Para a comprade votos não é preciso haver o pedido explícito, basta que ele esteja dando uma vantagem ao eleitor e que seja para conseguir o voto dele. Quem quer ter o voto pode pedir, apenas isso, e fazer proposta. E não prometer nada especificamente ao eleitor", pontua.

Além disso, o presidente da Associação dos Magistrados Piauiense, José Airton Medeiros, acrescenta também que há decisões de tribunais superiores assegurando que não é apenas no período das eleições que pode ser configurada a compra de votos, mas inclusive antes do registro de candidatura.

Prática acaba com o compromisso entre eleito e eleitor, diz cientista político

Para muitos eleitores, as eleições repres e n t a m uma oportunidade de obter algum ganho material ou não, coisa que provavelmente não ocorreria sem a eleição. O cientista político, Ricardo Arraes, afirma que o eleitor que assim procede não vende apenas o voto, ele entrega a sua consciência e, portanto, o voto não gera compromisso entre eleitor e eleito. 

"É lamentável. É o dito analfabeto político. De uma coisa o eleitor deve ter certeza, depois da troca, ou seja, da venda, nada mais liga os dois personagens, o fato está consumado e não resta mais compromisso entre eles, para prejuízo do eleitor e da própria democracia", acrescenta Arraes.

O cientista político Ricardo Arraes

Essa falta de compromisso também pode ser comprovada nas palavras da empregada doméstica que não quis se identificar. "Na hora de votar, eu vou atrás do que é um bom candidato. Não é porque ele me deu um saco de cimento que vai ter meu voto. O problema é que as pessoas não são bem informadas, aí votam em qualquer um. Os que estão aí, nenhum presta. Se prestassem, a gente tinha pelo menos uma saúde decente, mas não. Quando eu preciso, tenho que sair de hospital em hospital atrás de médico. Seria melhor se eles não roubassem nosso dinheiro", critica.

Segundo Ricardo Arraes, num cenário de carências sociais e econômicas como o do Piauí, além da seca que assola o Estado nesse momento, a possibilidade de auferir algum benefício é o ponto principal que motiva a venda ou compra do voto. Para o cientista, esse tipo de crime eleitoral se justifica por vários fatores como a ausência de um aporte ideológico que agregue eleitor e partidos, a desconfiança e o descompromisso para com a política e os políticos. E ressalta ainda que não importa se é o vendedor ou o comprador quem opera mais no ato, mas sim que esta prática nefasta continua ocorrendo e tendo influência nos pleitos eleitorais a cada eleição. 

"Vale dizer que só há a venda porque existe o comprador do voto. O correto e necessário seria extinguir as duas pontas do processo. Mas no nosso contexto, isso parece mais uma utopia: eleições sem compra de voto e voto consciente", lamenta.

Penhora de título eleitoral para conferência posterior impede voto nos adversários

Mesmo com a dificuldade em obter depoimentos de pessoas sobre casos de candidatos ou eleitores que trataram o voto como mercadoria, a reportagem do O DIA apurou uma forma diferente de se comprar no interior do Piauí. Geralmente, os candidatos ou cabos eleitorais compram votos para acrescentar sua contagem na hora da apuração. 

Entretanto, quando se tem certeza que um eleitor vai votar no seu adversário faz-se uma oferta para ficar em posse do título eleitoral daqueles cidadãos, é a chamada penhora do título eleitoral, uma estratégia para diminuir os votos do seu opositor.

Relatos apontam que essa prática já aconteceu em eleições de alguns municípios, como Rio Grande do Piauí, Cristino Castro, Itaueira e Floriano. Por outro lado, em muitos casos é o eleitor que busca os candidatos ou as pessoas que trabalham nas campanhas para tentar um retorno financeiro em troca de seu voto.

O advogado Diogo Alencar, que trabalha como líder político no município de Pio IX, no Sul do Estado, afirma que já foi abordado inúmeras vezes por eleitores na sua própria sua residência e relata alguns casos.

"É impressionante como as pessoas pedem. Durante as eleições, parece que os pneus de todas as motos da cidade foram destruídos, porque as pessoas pedem muito isso. Na campanha de 2010, fomos visitar uma comunidade na zona rural onde o morador ofereceu seu voto se o candidato desse R$ 4 mil para ele construir um poço no local. São coisas absurdas. Outra vez, estava descansando em casa e uma pessoa chegou pedindo R$ 100 para votar no meu candidato. Quando disse que não tinha, ele pediu R$ 50, depois R$ 20 e voltei a negar. Depois disso, a reação dele foi abrir a carteira e mostrar a quantidade de dinheiro que ele tinha", lamenta o advogado, ressaltando que esse tipo de conduta é comum em regiões mais pobres por causa da cultura que se criou da troca do favor pelo voto.

 

O Dia

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