Se na sua casa as paredes realmente tivessem ouvidos e olhos e pudessem falar, o que será que elas lhe diriam? Que desejaram com os olhos aquele farto almoço em família? Que viram a diversão e sua alegria ao receber seus amigos? Que sentiram também uma certa tristeza quando você chorou debaixo do chuveiro? Talvez elas lhe revelassem detalhes que você nem percebe no seu dia-a-dia e mais: estas paredes poderiam contar a história de gerações sua família ou das pessoas que foram abrigadas por elas. Foi tentando “escutar e ver” o que as antigas casas de Campo Maior têm a dizer que a arquiteta Marielly Ibiapina Mascarenhas fez o livro “Entre Telhas e Carnaúbas”, onde traça um raio x das habitações da cidade berço dos heróis da Batalha do Jenipapo.
A obra, que será lançada em Teresina nesta quinta-feira (8), às 8h, no Conselho Estadual de Cultura, é fruto do seu Trabalho Final de Graduação, cuja pesquisa levou cerca de um ano e meio. “Como eu já me interessava por essa história de patrimônio, achei que tinha que fazer algo sobre aquilo, mas não foi fácil porque no meu curso não havia até então um trabalho semelhante, mas eu insisti. Houve um debate no departamento e eu consegui que fosse aceito”, descreve Marielly.
A obra
Ela explica que teve de se aprofundar na história de Campo Maior, sua terra natal, e que acabou encontrando alguns obstáculos a serem superados para realizar seu trabalho. “A partir da pesquisa histórica, fui identificando os núcleos iniciais e vendo como a cidade cresceu e como o estilos arquitetônicos surgiram e foram tratados. Enfrentei a resistência por parte de alguns moradores que ficavam desconfiados e, a princípio, não autorizavam a minha entrada. Alguns pensavam que eu ia tombar o imóvel. Foi aí que minha mãe me ajudou por conhecer os moradores mais antigos, me apresentava para as senhoras que moravam nos casarões e, aos poucos, fui conquistando a confiança dessas pessoas”, revela.
Para a pesquisadora, este foi um trabalho revelador, pois não só revelou a riqueza arquitetônica dos seculares imóveis campomaiorenses, como também acabou revelando a história da vida das pessoas que lá vivem ou viveram. “Tinha casos em que eu entrava e encontrava o mobiliário de época, baús antigos, etc. Uma senhora que tinha quase oitenta anos me mostrou um santuário da família muito bem preservado. O carinho com que ela cuidava daquilo era o mais legal”, conta.
Marielly diz que o seu trabalho também despertou uma nova consciência nesses moradores. “Algumas pessoas já tinham esse zelo disso tudo, por ser algo da família, mas não sabiam que aquilo era importante pela história”, avalia.
Para cima e abaixo
Detalhe: Casarão de Campo Maior(Foto: Marielly Ibiapina Mascarenhas)A arquiteta diz que encontrou em sua pesquisa, que se baseou basicamente em imóveis da zona urbana no entorno da praça Bona Primo, vários estilos arquitetônico. Entretanto, ela destaca que em alguns imóveis é notória a rusticidade dos imóveis rurais coloniais que foi “disfarçada” com platibandas, calhas metálicas e esquadrias em arco com detalhes de vidro na fachada, dando-lhe um aspecto eclético, como o exemplo da casa de Dona Irene Eulálio. “Uma obra de arquitetura não representa só um estilo, mas uma história. Cada detalhe tinha um motivo e uma função para ela”, pondera Marielly.
Ela acrescenta que alguns das dezenas de imóveis por ela pesquisados foram demolidos para a criação de novos imóveis. “Se eu não tivesse feito o trabalho, nós não teríamos o registro. É a história da minha cidade, do meu povo, que eu cresci vendo, sem entender. Esse trabalho é um entendimento, é essa vontade de preservar. Mesmo que eu não consiga manter em pé eu vou conseguir dizer que existiu e foi registrado”, orgulha-se.
Construção
O livro “Entre Telhas e Carnaúbas” é uma publicação independente e fruto de um trabalho bem mais amplo realizado pela jovem arquiteta durante os anos de 2009 e 2010. Apesar de, no começo, a proposta não ter sido muito bem aceita pela Academia, Marielly diz que conseguiu um bom resultado na apresentação do seu Trabalho Final de Graduação. “No começo todos ficaram ressabiados, pois não se tinha a cultura de pesquisa no curso. Quando vim com a proposta de me aprofundar de estudar a história me perguntavam como iria fazer isso? No final, acabei tirando 10 de todos as professores que estavam na minha banca da graduação e tive o apoio das minhas professoras Silvia e Juliana que me deram um grande incentivo para fazer o livro”, assinala a arquiteta.
Contato: mari_ibiapina@hotmail.com
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