A crise brasileira deve se agravar com mais arrocho e desemprego até que setores do mundo político tenham o bom senso de fechar um acordo para tirar o país do caos. Essa é a expectativa do jornalista e blogueiro Luis Nassif. Profissional com décadas de experiência na cobertura da cena política e do mundo dos negócios, Nassif tem sido um dos analistas mais produtivos e argutos do turbulento quadro nacional.
Recentemente, o jornalista esteve no Recife para duas palestras, uma a estudantes da Faculdade de Direito e outra numa Plenária do movimento sindical, no Sindicatos dos Bancários, por iniciativa da Tempus Comunicação e da CUT. Entre as duas, bateu um papo com a reportagem da Marco Zero Conteúdo. Nassif fez um diagnóstico perturbador sobre as origens da crise brasileira e avaliou os males que rondam o nosso futuro. Mas ele ainda aposta na busca de entendimento de atores políticos antagônicos para tirar o país do atoleiro.
A Doutrina do Choque
Cunhada pela cientista social canadense Naomi Klein a expressão “doutrina do choque” está relacionada à teoria desenvolvida pelo economista norte-americano Milton Friedman (1912-2006). Países impactados por guerras, ataques terroristas, desastres naturais e golpes de estado estariam aptos a serem submetidos ao cardápio neoliberal das desregulamentações, privatizações e cortes em programas sociais.
Esse receituário precisa ser adotado rapidamente, entre seis e nove meses pós-choque, apontava Friedman, no momento do vazio mental causado pelo impacto do trauma.
A brutalidade da teoria fica ainda mais evidente quando se conhece sua origem. As experiências patrocinadas pela CIA para “desenvolver” novas técnicas de tortura. No Allan Memorial Hospital, em Montreal, Canadá, o psiquiatra Ewen Cameron e sua equipe dopavam pacientes e os submetiam à extrema privação sensorial, nos anos 1960, para esvaziar suas mentes, levando-as ao estado infantil, prontas para serem reprogramadas.
Essa regressão atraiu a CIA e foi implementada na Base Militar de Guantánamo (Cuba) e em Abu Ghraib (Iraque). Friedman levou o mesmo princípio para o mundo da economia e o pôs para rodar no Chile pós-golpe militar do general Augusto Pinochet, modelo seguido depois pela ditadura militar da Argentina. Naomi Klein em seu livro A Doutrina do Choque (Nova Fronteira, 2008) diz que o receituário do choque neoliberal foi aplicado também na Rússia e no Leste Europeu, pós dissolução da União Soviética; no Iraque, pós 11 de setembro; e na cidade de New Orleans destruída pelo Furacão Katrina.
Para Nassif, o “capitalismo de desastre” chega agora com tudo ao Brasil, depois do golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff da Presidência da República. “Depois que um país vive um choque, ele perde suas referências. Como pregava Friedman, você tem seis meses para implementar ideias que não seriam aceitas pelos eleitores em outras condições: reforma da previdência, redução dos gastos sociais e abertura para os capitais financeiros. É o que estamos vendo agora no Brasil”.
A financeirização do mundo
Para se compreender o jogo que está sendo disputado no Brasil, é necessário entender o processo de financeirização do mercado a partir dos anos 1990, avalia Nassif.
A política da maior potência do mundo, os Estados Unidos, passou a ser controlada pelo mercado financeiro. Com o processo de globalização, esse domínio se alastrou por todo o mundo. O discurso passa a ser um só: a máxima eficiência para cada empresa refletiria na eficiência global. Em 2008, o cenário é de monopolização financeira.
“Com a eclosão da crise do sistema financeiro, em 2008, o discurso de onipotência desse mercado perde força e acaba a possibilidade dele interferir na política por meio do processo democrático”.
A política anticíclica adotada pelo governo Lula em plena crise financeira mundial fortalece a economia nacional e a posição de protagonismo do Brasil no mundo. A China ganha força como nova potência econômica. Os países emergentes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) passam a ser uma referência num mundo cada vez mais multipolar. “É quando a geopolítica norte-americana surge para mudar isso”, alerta Nassif.
“Quando o mercado financeiro toma o controle da política econômica, ele só toma decisões em favor do capital financeiro. Para ele, interessa a ampla e livre circulação de capitais. Se sua atuação em um país não der certo, não tem problema, ele vai para outro país”.
A razão de Estado
“A razão de ser do Estado é outra. Ele foi criado para proteger os desprotegidos. O Estado tem que ter um projeto nacional, um projeto para o país. Para a saúde, para a educação, a assistência social, a segurança. Sua atuação esbarra nos interesses de curto prazo do mercado financeiro. A dívida pública sempre foi um grande negócio do mercado financeiro. O orçamento público sempre esteve na mira de interesse do mercado”.
A análise de Luis Nassif abre uma porta para entendermos os interesses por trás da recente aprovação da PEC 55 pelo Congresso Nacional: congelamento de despesas primárias (despesas com pessoal, investimentos em infraestrutura e gastos sociais) e garantia de recursos para pagar os juros da dívida, remunerando os rentistas nacionais e internacionais. Em resumo: redução da capacidade de ação do Estado e fortalecimento do mercado financeiro.
2013: o ano em que o Brasil piscou
Com o agravamento da crise econômica e o início do fim dos tempos de bonança, a partir de 2012, setores do mercado financeiro norte-americano associados a segmentos das elites econômica, política e burocrática brasileiras ficaram em alerta. As manifestações de junho de 2013 deram o sinal de que o governo Dilma começava a perder apoio na opinião pública. Sua popularidade, afinal, depois de bater recorde, estava sendo abalada.
“Em 2013 você tinha uma estado difuso, de confusão. Sempre que você tem esse estado de coisas, o mais fácil é focar no presidente. Nos anos 80, quando as pessoas foram para as ruas protestar, elas focaram no presidente, que era um militar. Daí o apoio à democracia. Agora, a revolta mais uma vez atingiu o presidente da República, na figura de Dilma. Desta vez, enfraquecendo a democracia”, argumenta Nassif.
“Pra você fazer o contradiscurso você tem que elaborar muito mais. Agora quem tem a capacidade de elaborar mais, tem os instrumentos, a visibilidade, é a presidenta da República, então se ela não te dá as bandeiras, não faz o discurso político, aquilo não tem jeito”. O jornalista avalia que faltou a Dilma e ao PT o entendimento de que era preciso fazer um esforço para entender e desenvolver uma aproximação política junto aos novos grupos de esquerda que foram para as ruas, tais como o Movimento Passe Livre (MPL). A falta de visão e a burocracia interna do PT impediram essa aproximação.
As forças políticas de direita não perderam tempo e avançaram. Em 2013, quando as elites locais associadas ao sistema financeiro internacional veem que a população está pronta, eles planejam dois escândalos de interesse geopolítico americano: Petrobras e FIFA. O Ministério Público entra de cabeça nisso e fecha diretamente acordos de cooperação com os Estados Unidos, sem que estes sejam avalizados pelo Ministério da Justiça brasileiro.
O escândalo da Petrobras tem o objetivo de desmantelar a base de operação da maior empresa nacional e, portanto, toda a cadeia brasileira de petróleo e gás, abrindo espaço para o controle dessa indústria pelas empresas multinacionais. O escândalo da FIFA serviria para expor e abrir o segmento de mídia no Brasil, o único mercado nacional fechado para o capital internacional.
Os norte-americanos percebem então que as informações sobre a Petrobras fluem rapidamente e em grande quantidade, mas o mesmo não acontece com o escândalo da FIFA, informa Nassif. Tinha a Rede Globo no meio do caminho. “A corrupção da FIFA é uma criação do Brasil. Uma criação da Rede Globo”, pontua o jornalista.
A partir daí, a mídia, a oposição e o “mercado” começam a tocar, sem trégua, a agenda do caos. Nada presta, nada funciona. E a culpa é sempre do governo federal. É por exemplo o que acontece com as previsões catastróficas em torno da realização da Copa do Mundo. “No mundo real, tudo foi um show. Os estádios ficaram todos prontos a tempo, apesar das previsões da imprensa. As matérias então deixam de ser sobre a construção e começam a falar que falta sabonete nos banheiros dos estádios. Um absurdo completo. O que importava era bater”, critica Nassif. A teoria do choque começa a rodar.
Com a derrota eleitoral em 2014, “Aécio, José Serra e Fernando Henrique Cardoso tornaram-se os porta-vozes do caos estimulando o movimento golpista nas ruas e nos jornais, enquanto a parceria Procuradoria Geral da República/Lava Jato/mídia tratava de incendiar a classe média com as denúncias de corrupção focadas exclusivamente no PT e em Lula”.
Aos erros praticados pela própria presidenta, de implantar a agenda econômica restritiva pregada pelo seu adversário (Aécio Neves, na campanha de 2014), designando Joaquim Levy para comandar o ajuste fiscal, somaram-se a perda da base parlamentar e a atuação de Eduardo Cunha e do PSDB para inviabilizar, no Congresso Nacional, os projetos do governo que tentavam de alguma forma consertar seus próprios desacertos.
Em fevereiro de 2015, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai aos Estados Unidos entregar ao Departamento de Estado norte-americano dados internos de uma empresa brasileira. “O discurso anticorrupção foi o mote que juntou todas as pontas, criando o sentimento da classe e fornecendo o álibi para quem pretendesse pular no barco da conspiração”.
Elitismo e visão de classe
À frente do combate à corrupção estão os jovens procuradores do Ministério Público que tocam as investigações da Lava Jato. Jovens, na visão de Nassif, descolados da realidade, com perfil elitista e imbuídos do espírito de salvadores da pátria. Para o jornalista, o problema começa no modelo de seleção.
“Eles entram na carreira por concurso. Esses concursos não exigem conhecimentos profundos, de conceitos, é uma decoreba, não é? Uma decoreba. Aí você chega, pega um moleque de 25 anos, ganhando um salário que você não tem no setor privado, onde o salário inicial é um terço disso, então o sujeito se sente superpoderoso, ele muda de classe”, critica.
O referencial teórico construído em cursos e seminários ministrados em países estrangeiros também descolaria esses profissionais da realidade nacional e dos compromissos com um projeto de país: “O pessoal idealizou muito a ascensão da classe C, mas o fenômeno politicamente mais influente, foi essa internacionalização da classe B, os PHDs que vão fazer cursos fora do Brasil. Você pega o Joaquim Barbosa (ex-presidente do Supremo Tribunal Federal na época do julgamento do Mensalão), lá atrás. O que ele tinha de diploma externo… O que você lê daquilo? É um cara culto, um cara que nunca pôs a mão no trabalho dele. Passou a vida fazendo esses concursos. Então se criou esse sentimento de que eles pertencem a uma elite internacional. Eles acham que somos um país de botocudos. Eles perderam a noção de serviço público”.
E completa: “Eu fui num evento dos auditores da Receita e me falaram: ‘o pessoal que entra aqui, eles não são servidores públicos, eles são autoridades’. Então esse sentimento foi muito forte e em algum momento esse pessoal vai ter que ser enquadrado”.
Para Nassif, em algum tempo no futuro – “eu não sei em quantos anos” – a atuação dos integrantes da Lava Jato deverá ser julgada, considerando os males que causaram ao sistema político e à indústria nacional. “Você tem várias coisas em que eles podem dizer que estavam cumprindo a lei. Agora, você fazer acordo nos Estados Unidos contra empresas brasileiras e contra a Petrobras? Isso não tem quem livres eles não”, avalia o jornalista e analista político.
Made in USA
Em 2008, diversos países sacrificaram sua população para salvar o mercado financeiro da maior crise recente de sua história. A atuação dos atores políticos, associados ao mercado, criou uma ojeriza geral à política por parte de amplos setores da sociedade.
Neste cenário de desgaste junto à opinião pública, os Estados Unidos veem no processo de financiamento das campanhas eleitorais um filão para dar mais corda à impopularidade do meio político. Este que é o pecado de todos os partidos. Não só no Brasil. Mas aqui tudo é ainda mais evidente. Os EUA perceberam que estava aí o caminho para combater os partidos que precisavam ser atingidos, explica Nassif. A questão é buscar o apoio corporativo da Polícia e dos procuradores do país base no qual pretendem agir e, pronto, criminalizar a política.
“Essa parceria com o Ministério Público e com a Polícia Federal substitui as parcerias feitas no passado com os militares. Com o tempo os norte-americanos perceberam que essa parceria era ruim: por conta do comprometimento com os direitos humanos (e as críticas internas que geravam em parte da opinião pública norte-americana) e com um agravante, os militares trabalham com uma visão de projeto nacional”. Projeto nacional que, na maioria das vezes, vai bater de frente com os interesses estrangeiros que “operam” no Brasil.
O foco de atuação norte-americana vai para a mídia, a PF, o MP e o Poder Judiciário. Num processo ininterrupto de catequese: parcerias, cursos, seminários, troca de informações. Todo o tipo de aproximações.
Segundo Nassif, os Estados Unidos têm dois órgãos de ação para “desconstruir os demais países”: a CIA e a NSA. A atuação invasiva da CIA no mundo todo é conhecida e já ilustra centenas de livros de histórias em dezenas de línguas. A NSA ganhou notoriedade a partir da divulgação dos documentos sigilosos pelo técnico em computação Edward Snowden, que davam conta de que a empresa pratica há anos espionagem internacional por meio de escutas telefônicas e captação de dados de emails de autoridades públicas de diversos países (entre elas Dilma Rousseff e Angela Merkel) para acompanhar os seus passos políticos, mas especialmente proteger os negócios corporativos das empresas norte-americanas. Um exemplo mais do que claro de como política e negócio são irmãos siameses quando falamos de interesses externos dos Estados Unidos.
“Quando vem a manifestação de 2013, os Estados Unidos perceberam que o Brasil estava pronto, ali tinha elementos para desestruturar o Brasil. O problema do Brasil era sua posição de liderança regional e o fortalecimento dos Brics. Era preciso desestabilizar esses países”. Porque, na visão norte-americana, o fortalecimento de países como o Brasil enfraquece a posição internacional dos Estados Unidos e das suas empresas privadas. Enfraquecem seus interesses de Estado e também privados, que lá, como em várias partes do mundo, estão embricados.
No Brasil, Nassif enumera algumas áreas que se tornaram o foco da desestabilização dos Estados Unidos e de seus parceiros no Brasil (Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário e grande mídia): a Política Industrial Naval; a Cadeia de Petróleo e Gás; a transferência de tecnologia na área de saúde, na aquisição de remédios. O avanço sobre o pré-sal e os cortes orçamentários que a área de ciência, tecnologia e inovação deve sofrer nos próximos anos, com o congelamento de gastos por duas décadas previsto pela agora aprovada PEC 55, são exemplos do jogo que está sendo jogado.
Nassif explica que a indústria sofreu profundamente com a sobrevalorização cambial durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, as empreiteiras passaram a ter um papel fundamental na política industrial nacional, na construção de estaleiros, na defesa nacional. Mas tudo isso muda com a chegada da Operação Lava Jato, comprometendo a saúde financeira e o status das empresas investigadas.
“A Lava Jato podia punir os executivos, mas preservar a empresa. A contrapartida dessas empresas foi fomentar uma grande base tecnológica no Brasil. O cenário agora é de desolação, deixando cidades do Rio Grande do Sul na miséria e uma situação de caos no Rio de Janeiro”. Estados que tiveram que demitir milhares de trabalhadores nos segmentos de indústria naval e petróleo e gás.
“Você hoje tem 16 projetos de empresas nacionais que venceram concorrências no exterior e que o BNDES já não pode mais financiar. Vivemos o inferno brasileiro. Montaram um inferno no Brasil para ser governado pelo Michel Temer. Não tem jeito de uma coisa assim funcionar”.
Pior, as investigações da Lava Jato são dirigidas, seletivas, acusa Nassif. “Estamos chegando a uma situação clara em que o procurador-geral trabalha para proteger o PSDB. Veja a que ponto chegamos”.
Um novo acordo
Para tirar o Brasil do atoleiro, só um pacto, um acordo entre forças políticas distintas. “A questão é qual é o tempo para tudo mudar. O governo Temer ia ficar dois anos e meio e já acabou. O PSDB quer jogar FHC. Ele não tem esse dinamismo. Tem 85 anos.”
No caso de uma radicalização à direita, Nassif chega a apontar a possibilidade, “gravíssima”, de uma brecha para as Forças Armadas. Mas seria uma saída ruim para os dois lados, tanto para a esquerda quanto para a direita aliada do capital estrangeiro, segundo o jornalista. Para a esquerda porque as Forças Armadas veem um inimigo comum (justamente os partidos de esquerda). Para a direita, porque as Forças Armadas têm um projeto nacional (de desenvolvimento, nacionalista), que deve se chocar com os interesses nem um pouco patrióticos do mercado financeiro.
“Neste cenário, a saída é algum tipo de entendimento. A crise que temos é uma crise política. Mas temos também os economistas tucanos, eles não estão nem um pouco interessados em resolver os problemas da economia, mas em desestruturar o pais. É preciso vir algum tipo de acordo”.
Questionado se esse acordo teria que passar pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, Nassif diz que não tem outro jeito: “No fundo acaba dando neles. Infelizmente porque nós não conseguimos criar outras referências. Estou falando eles e chamando outros aí também, né? O Supremo. Você tem dois fatores aí que vão dar o tempo do acordo. O primeiro fator é o grau de consciência dessas elites nossas. Elas são muito ruins. O segundo fator é a velocidade do aprofundamento da crise, que é muito rápida. A última chance que essas elites políticas têm de preservar o poder – e acabar evitando um aventureiro de fora – é um acordo para impedir o aprofundamento da crise, e isso significa um grande pacto que passa por renegociação de dívidas das empresas e pessoas físicas, aumento de gastos, reativação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reativação da indústria de petróleo e gás”.
O fortalecimento dos novos e também dos tradicionais movimentos sociais joga um papel importante no pêndulo político de um futuro acordo, incluindo aí o movimento estudantil e os movimentos feminista e negro, MST e MTST, entre outros. “É importante porque você tem que ter uma preservação desses avanços, dessas políticas sociais, disso tudo. Você tem que ter uma pacificação nacional. E uma pacificação nacional significa você atender os reclamos justos dos movimentos sociais”.
Recuperação exige agenda anticíclica
Esse acordo, de que fala Nassif, teria, segundo o jornalista, que “atropelar os princípios neoliberais”. O acordo precisa primar pelo aumento de gastos públicos e despesas sociais para os grupos de baixa renda voltarem a consumir. “A cultura brasileira, esses valores nacionais, vão estar por trás da recuperação do nosso país”. Em resumo, um novo receituário econômico entraria em pauta, anticíclico: choque de despesa pública (relação dívida/PIB é grande por causa dos juros), retomada das obras do PAC para reativar a base de infraestrutura do país. Retomada de obras do polo petroquímico, mais incentivos às políticas sociais, renegociação das dívidas das empresas. Tudo para sanar os efeitos recessivos das políticas implementadas por Dilma/Joaquim Levy e Temer/Meirelles.
Essas seriam as duas principais bases de um acordo: tirar o país da recessão e prepará-lo para novas eleições diretas.
“A crise é maior do que a ideologia, não tem como passar do primeiro semestre (de 2017). Eu acho que o Bolsonaro não vai adiante. Acho o Ciro (Gomes) uma ameaça maior do que o Bolsonaro. É preparado, mas não tem a menor noção de relação de forças. Ele seria um grande assessor de um presidente que soubesse negociar. A fala dele é desproporcional ao poder dele. Aliás, quem tem muito poder, fala pouco”.
Mas Nassif vê um perigo à espreita:
“O meu receio é um militar com um discurso racional. Espero que não ocorra. Espero por um pacto. O discurso militar racional é um discurso atraente”.
Para o jornalista, o cenário político e econômico brasileiro “ainda vai piorar antes de melhorar”. Com a continuidade do receituário neoliberal radicalizado pelo governo Temer ele prevê um “cenário mais provável de quebradeira e de quebra pau”. Com uma possível participação maior das Forças Armadas na repressão. “Nossa elites são muito ruins. Talvez demorem a fechar um acordo. O cenário imediato é de mais política neoliberal e mais repressão. Vai piorar antes de melhorar”.
“A empresa jornalística tem o direito de propriedade. A liberdade de expressão é do jornalista”
Tudo que está acontecendo no Brasil é muito impressionante. Queria te perguntar sobre o jornalismo e a indústria da comunicação. Você vê a aliança PF, MP e Judiciário. Queria que você explicasse o papel da mídia. Dessas redações que não questionam a linha editorial das empresas. Esse carreirismo. Mas primeiro a grande mídia, como é que ela se encaixa nessa associação para o golpe?
A grande mídia percebeu lá atrás que o Brasil, a partir de 1999, quando começa a enorme crise cambial, ela percebe que, com a Internet, acabou a barreira de entrada. Antes você não conseguia entrar porque com a televisão aberta e a rádio você precisava de concessão. Para jornal e revista você precisava fazer um baita investimento em gráfica, em pessoal e ter hábito de leitura consolidado. Com a Internet, essas barreiras iam cair.
Perceberam que seu monopólio corria risco…
Então, mundialmente, não apenas aqui, elas perceberam que havia uma crise seminal, estrutural, do modelo de negócio. Em pouco tempo, nos Estados Unidos, as redes sociais ganharam na publicidade nacional e nos classificados. É muito mais fácil você pegar um classificados digital do que em papel. Ao mesmo tempo, eles perceberam que perderam o protagonismo da notícia. Mas, por outro lado, você tinha uma desestruturação do mercado de notícias. Com a Internet, você não sabia mais o que era verdade, o que era mentira.
Os jornais sérios se referenciaram como jornais de verdade. O Financial Times, que é conservador e tudo, mas se sai uma notícia lá, não é mentira. O New York Times também fez isso. O pessoal mais atrasado, e aí entra o grupo do Murdoch (empresário australiano Rupert Murdoch, acionista majoritário da News Corporation, um dos maiores grupos de mídia do mundo), acabou influenciando o Brasil. No Brasil inteiro, os grupos de mídia caíram nessa de ‘vamos aproveitar o caos das notícias nas redes sociais e usar esse caos em nosso favor’. Então eles passam a inventar as mentiras e jogar nas redes sociais. Que é o que o Murdoch faz lá na campanha do Obama e os jornais fazem aqui em 2006 e, especialmente, em 2010. A quantidade de mentira que eles jogam nas redes, isso alijou o jornalismo totalmente.
Você trabalhou na grande mídia. Qual a mudança essencial do seu período e de agora?
Então, antes você tinha um pacto. Eu fui beneficiado por esse pacto nos anos 1990, entre os jornalistas e os donos de empresas, a Folha de S. Paulo no meu caso lá e a TV Bandeirantes. Nesse curto período os jornais recuperaram um pouco a noção da separação entre jornalismo e empresa. Quando você pega os modernos juristas italianos, eles fazem uma divisão grande. Eles dizem: ‘a empresa jornalística, ela tem o direito de propriedade. Agora, a liberdade de expressão é do jornalista’. Então, no fundo, quando você pega a liberdade de expressão e separa do direito de propriedade, o que é que é a empresa de jornalismo? É um grande negócio, onde ela vai pegar jornalistas de diversas linhas que podem trazer público e compor o produto dela, mas respeitando o jornalismo. Na coluna que eu tinha na Folha, eu gozei de uma boa liberdade lá.
Mas isso foi mudando…
Daí em 2003 e 2004 você percebe que os ventos estão mudando, que está acontecendo alguma coisa aí. Daí entram dois fatores que pegam os jornais na Alemanha, nos Estados Unidos… Primeiro é a financeirização dos jornais. Eles percebem que precisam se aproximar ainda mais do mercado financeiro, seguindo o mesmo caminho do Murdoch, para conseguir se capitalizar para os novos tempos de inovação tecnologia. E o segundo ponto é essa questão de criar uma frente para assumir o protagonismo político e impor, através de sua influência política, legislações que favorecessem seus interesses. Então aí acabou aquele pacto. Na Folha, teve jornalistas que saíram, não se adaptaram. Outros se mantiveram sem perder a dignidade e um terceiro grupo abriu mão de qualquer dignidade.
As novas gerações, elas passaram a ter uma não compreensão do que é o novo jornalismo. Veja bem, esse negócio de que hoje é mais difícil fazer jornalismo não é verdade. Nunca foi tão fácil fazer um bom jornalismo. Você tem todas as informações aí disponíveis hoje. O grande desafio, qual é? É você pegar essas informações, juntar, organizar e consolidar. Então o pessoal fala sobre a grande reportagem… Outro dia eu fiz uma denúncia, um assunto qualquer aí, antes da internet eu levaria um mês para levantar, eu levantei num dia. Tudo fica mais fácil, desde que você saiba o que buscar.
Hoje há um excesso de opinião.
Os jornais entraram nessa, a Folha fez isso e o Estadão foi atrás. Nos anos 90 chega a figura do âncora, o cara que dá palpite no rádio e na televisão. O colunista de jornal deveria ser o oposto. O âncora joga para a torcida. Se a torcida está indignada, ele fica indignado. O colunismo de jornal deveria pensar assim: o leitor está indignado com alguma coisa, ele está indignado porque não está entendendo direito a situação. Então eu vou ficar acima das paixões do leitor para explicar as coisas, até para ele ficar mais indignado, se for o caso. Então começou um populismo ali, de cada colunista querer jogar para a torcida, influenciado pelo rádio e pela televisão. Quando vem a internet e todo mundo dando palpite, então virou um palpitômetro. Coisa ridícula. Cronista social, musical, Nelson Mota, agora, ditando regra. Ruy Castro, um horror. Ao invés de escrever sobre o que sabe. Cony fazendo o jogo… Então ficou uma competição para atender esse leitor truculento, esse leitor que parece promissor, e atender os jornais, dentro dessa guerra aí de mobilização contra o inimigo comum que é o PT.
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Fonte: Marcozero.org
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