Irmãos e irmãzinhas, não fiz nenhum projeto para chegar a esta idade (como direi?) tão emblemática... Ela é que acabou me alcançando. Durante muito tempo, neguei-me peremptoriamente a festejar o dia dos meus anos. Parecia-me uma extravagância sem razão de ser. Por que comemorar um dia a menos na contagem regressiva? Além disso, eu sempre estive tão ocupado que não me sobrava tempo para festejar-me.
Vai que, numa esplendente manhã de setembro, acordei e me dei conta de que estava ingressando no "clube dos sexagenários". Só então descobri que sou um sobrevivente. Dos meus colegas de reinações no sertão, nenhum está contando a história. Os que não morreram de “susto, de bala ou vício”, morreram de “velhice antes dos trinta”, como no pungente poema de João Cabral de Melo Neto. Decidi que, a partir de então, comemoraria cada dia de vida como se fosse o primeiro ou o último. “Viver/vicia”.
Um dia, num arremedo de poema, afirmei: não me perguntem se sofri/não sei dizer;/depois, na minha idade,/não faz sentido sofrer... Acho que a vida tem sido generosa comigo: nunca me submeteu nenhuma provação insuportável. Na antessala dos 70, ainda distingo uma mulher de um vaso de samambaia; minhas pernas me transportam e respiro sem ajuda de aparelhos. Convenhamos que não é pouco. Vivo o que me é dado viver sem queixas nem mágoas. Minha história vida não me autoriza a ser pessimista.
Às vezes, me surpreendo cantando um samba-canção de Baden Powel e Paulo César Pinheiro: “Não fui feliz nem infeliz/eu fui somente um aprendiz/daquilo que não quis”. Mas, com maior frequência, gosto de me lembrar da fantástica história do Millôr: o otimista despenca do 20º andar de um edifício. Ao passar pelo 13º, não se contém e exclama: - Até aqui, tudo bem!
-----------
Cineas Santos é professor, escritor e produtor cultural - nas redes sociais.
Acesse Piauí
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.