A primeira vez que ouvi falar do fim do mundo, eu era praticamente virgem de pecados, a não ser do tal “pecado original”, que já trazemos embutido em nossas almas. Eu teria uns dez anos de idade, se tanto. Num início de noite, ouvi ,no rádio do padre Nestor Lima, a trombeta do anjo vingador: “O mundo acabará em 1970”, anunciava a voz cavernosa de um locutor invisível. Fiquei literalmente aterrorizado. Eu, a partir daquele instante, teria uns doze anos, no máximo, para realizar alguns desejos acalentados desse sempre: comprar uma bicicleta Monark, uma sanfona Scandalli,um relógio Lanco, um rádio Philco,uma espingarda Rossi, uma lanterna de três elementos, uma chuteira feita pelo Raimundo do Pedro e um frasco de Englihs Lavender . Tudo isso, na verdade, tinha um único fito: conduzir-me ao coração de Cleonice, com quem eu teria de me casar. Para levantar a dinheirama necessária para adquirir tudo isso, eu teria de ir a São Paulo onde, segundo atestava um baião de seu Luiz, “corria ouro pelo chão”. Fiz as contas e vi que não daria tempo. Sofri como um condenado...
Em 1970, eu já desistira da sanfona, do rádio, da espingarda, ou seja, da Cleonice... À época, meu coração bandoleiro errava por uma fulaninha, mais acesa que farol de milha... Conclusão: a despeito da ditadura que prendia, torturava e matava, nunca fomos tão felizes: “noventa milhões em ação” e a inesquecível conquista to Tri... Marcou-se uma nova data para o fim do mundo: o ano 2000. Voltei a fazer as contas e vi que já estava no lucro.
A última previsão para o fim de tudo tem como “profeta” um tal de David Meade, que se diz “especialista em pesquisas e investigações”. Segundo o sábio, um corpo celeste chamado NIbiru ou Planeta X vai chocar-se com a Terra na noite do dia 23 de setembro de 2017, ou seja, hoje. “Será a maior catástrofe desde o dilúvio”, garante o “profeta”.
Manquitolando, cheguei até aqui. Como na canção de P. César Pinheiro & Baden Powel, “Não fui feliz nem infeliz/ eu fui somente um aprendiz /daquilo que eu não quis”. Quanto a fim do mundo, pelo menos o fim do meu mundo, acontece todos os dias. É o fim do mundo a conta-gotas ... É tudo muito suave: só dói quando me lembro.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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