Nos últimos dias a imprensa nacional tem dado grande alarde à aprovação, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, do Projeto de Lei do Senado nº 116/2017, que regulamenta a possibilidade de demissão de servidores públicos por insuficiência de desempenho.
Semelhante proposta legislativa - a par das flagrantes inconstitucionalidades que encerra, como veremos mais adiante -, traduz o momento político vivenciado pelo País, no qual o pensamento neoliberal vem ganhando força e promovendo toda sorte de reformas legislativas voltadas a reduzir o aparelho de Estado (sobretudo nas áreas de interesse social), privatizando serviços públicos e retirando direitos dos trabalhadores de maneira geral (dentre os quais os servidores), tudo com a finalidade de favorecer ainda mais os interesses dos grandes grupos financeiros que dominam a economia do Brasil e do mundo.
Em que pese a crítica política que deve ser feita à aludida iniciativa legislativa, entretanto, é preciso reconhecer que de fato a Emenda Constitucional nº 19, de 1998 (enviada ao Congresso Nacional pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso), realmente modificou o art. 41, da Constituição Federal, para nele inserir o Inciso III, estabelecendo que o servidor estável pode perder o cargo caso não venha a obter aprovação em avaliações periódicas de desempenho, a serem regulamentadas em Lei Complementar.
Assim, mesmo havendo previsão para demissão por insuficiência de desempenho desde 1998, o fato é que o mencionado dispositivo constitucional pende de regulamentação desde aquela data, há cerca de 19 (dezenove) anos, razão pela qual não pôde até hoje ser utilizado pela administração para promover as referidas demissões.
À vista disso, e pretendendo regulamentar a matéria, a Senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE) resolveu tomar a iniciativa de propor, em abril deste ano, o Projeto de Lei do Senado nº 116, dispondo sobre o assunto e suprindo a lacuna regulamentar.
Ocorre que apesar de (no mérito) a possibilidade de demissão de servidores por insuficiência de desempenho contar hoje com previsão constitucional, conforme vimos antes, é preciso ter claro que a regulamentação do respectivo dispositivo constitucional deve observar outras normas que emanam da própria Constituição Federal, como é o caso do Art. 61, § 1º, II, “c”, que atribui exclusivamente ao Presidente da República a prerrogativa de propor leis dispondo sobre assuntos relativos aos servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.
Logo, se a Constituição estabelece que apenas o Presidente da República pode apresentar proposta legislativa em que as matérias como as descritas acima - dentre as quais inequivocamente está a regulamentação da previsão constitucional de demissão de servidores por insuficiência de desempenho -, descabe a qualquer Parlamentar, seja Deputado ou Senador, propor tais matérias, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade formal, que chamamos de “vício de iniciativa”, invalidando o Projeto de Lei que hajam proposto.
É exatamente isto que ocorre com o PLS nº 116/2017, que foi indevidamente proposto por uma Senadora para regulamentar matéria relativa à estabilidade dos servidores públicos, cuja iniciativa é exclusiva do Presidente da República.
Demais disso é de ver, ainda, que o PLS nº 116/2017 contém outra inconstitucionalidade, qual seja o fato de pretender regulamentar a demissão por insuficiência de desempenho não só dos servidores públicos federais, mas também dos servidores públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o que ofende a autonomia dos entes federados, prevista no art. 39, da Constituição Federal, que atribui a estes a competência para regulamentar as matérias relativas aos respectivos servidores.
Por fim, também quanto ao seu mérito é possível apontar imperfeições que beiram nova inconstitucionalidade, em especial naqueles pontos em que o Projeto de Lei permite um tal grau de subjetividade na avaliação sobre o desempenho dos servidores, que implicaria em ofensa ao princípio da impessoalidade (CF, art. 37), configurando aqui uma inconstitucionalidade material.
O Projeto em questão encontra-se agora na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, aguardando designação de Relator para a discussão interna, após a qual deve seguir ainda para a Comissão de Direitos Humanos e para a Comissão de Transparência e Governança, de modo que uma vez aprovado nestas Comissões seguirá para o Plenário do Senado, onde precisará da maioria absoluta dos Senadores (41 votos) para lograr aprovação. Caso aprovado no Senado, o Projeto de Lei seguirá para a Câmara dos Deputados, para o respectivo processo de análise no interior daquela Casa Legislativa.
Ao final de todo este percurso, e caso o referido Projeto de Lei venha mesmo a ser aprovado pelo Congresso Nacional, as entidades sindicais representativas de servidores públicos questionarão sua constitucionalidade diretamente ao Supremo Tribunal Federal, alegando ofensa aos já comentados artigos. 61, § 1º, II, “c”, e 39, caput da Constituição Federal (inconstitucionalidades formais), e art. 37, da mesma Carta da República (inconstitucionalidades materiais).
Em que pese a possibilidade de tal questionamento judicial, entretanto, pensamos ser fundamental que os servidores lutem para impedir que o Projeto de Lei em questão seja aprovado pelo Senado e posteriormente na Câmara, para o que é imprescindível que se mobilizem e sigam rigorosamente as orientações expedidas por suas respectivas entidades sindicais representativas em relação às políticas a serem adotadas neste sentido.
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Luís Fernando Silva, advogado (OAB/SC 9582) e membro do SLPG
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