Estando em São Raimundo Nonato, convidei dona Dezinha para irmos a Anísio de Abreu visitar uma tia muito querida. Ao chegar à sede do município, entramos numa loja bonita para comprar um vestido para a velha. Minha irmã queria uma roupa sóbria, distinta. Eu insistia em algo festivo, compatível com a personalidade de tia Celina. Enquanto escolhíamos o tecido, o dono do estabelecimento não desgrudava os olhos de nós. A bem da verdade, aquilo já estava me incomodando.
Lá pelas tantas, o cidadão não se conteve: levantou-se, aproximou-se de minha irmã e afirmou: “Desculpe incomodá-la, mas a senhora se parece muito com uma velhinha que conheci em São Raimundo”. Fiz um sinal para que a Dezinha permanecesse calada. Então, perguntei: e como era essa velhinha? “Ela morava no bairro Aldeia, nas proximidades do ginásio”. Permaneci calado. O moço continuou: “Naquela época, eu trabalhava como mascate, vendendo mercadoria de porta em porta. Quando eu passava pela Aldeia, parava na casa dela para tomar um gole d’água, um cafezinho e prosear um pouco. Uma tarde, depois de zanzar por Altamira, Milonga, Gavião, voltei para casa desacorçoado: não tinha vendido absolutamente nada”. Continuei assuntando. O moço finalizou: “Parei para tomar um cafezinho. De repente, a velhinha me perguntou: ‘Meu filho, você vendeu alguma coisa hoje?’ Diante da resposta negativa, falou: ‘Pois eu vou lhe comprar nem que seja um pente pra você não perder o interesse por seu negócio’. Levantou-se, entrou na casa, voltou com uns trocados e me comprou um pente”. Visivelmente emocionado, concluiu: “Este negócio aqui tem o dedo dela”. Dona Dezinha não conseguia conter as lágrimas. Eu me limitei a dizer: meu irmão, a tal velhinha era dona Purcina, nossa mãe. O comerciante se desmanchou em gentilezas e nem queria que pagássemos pelo tecido.
Ao chegar à casa da tia Celina, fomos recebidos festivamente, a velha era um dilúvio de alegria. Lá pelas tantas, depois de nos oferecer um café forte, contou: “Dezinha, minha filha, uma noite fui buscar água lá no barreiro do Liberato. Depois de encher as ancoretas, parei na casa velha para conversar com a Purcina. Ela me ofereceu café com beiju e, sem que eu visse, botou uma rapadura do Brejo da Serra sobre a cangalha. Quando eu cheguei em casa, que vi a rapadura, quase morri de chorar. Naquela noite, eu não tinha nada para dar aos meus filhos”. Em seguida, contou uma enfiada de histórias da matriarca.
Quando nos retiramos, afirmei: Dezinha, veja o peso da responsabilidade que temos sobre os ombros. Ser filho de dona Purcina não é tarefa fácil. A velha matriarca saiu de cena em 2005, mas ainda há nítidos rastros dela nos sertões onde viveu.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Lá pelas tantas, o cidadão não se conteve: levantou-se, aproximou-se de minha irmã e afirmou: “Desculpe incomodá-la, mas a senhora se parece muito com uma velhinha que conheci em São Raimundo”. Fiz um sinal para que a Dezinha permanecesse calada. Então, perguntei: e como era essa velhinha? “Ela morava no bairro Aldeia, nas proximidades do ginásio”. Permaneci calado. O moço continuou: “Naquela época, eu trabalhava como mascate, vendendo mercadoria de porta em porta. Quando eu passava pela Aldeia, parava na casa dela para tomar um gole d’água, um cafezinho e prosear um pouco. Uma tarde, depois de zanzar por Altamira, Milonga, Gavião, voltei para casa desacorçoado: não tinha vendido absolutamente nada”. Continuei assuntando. O moço finalizou: “Parei para tomar um cafezinho. De repente, a velhinha me perguntou: ‘Meu filho, você vendeu alguma coisa hoje?’ Diante da resposta negativa, falou: ‘Pois eu vou lhe comprar nem que seja um pente pra você não perder o interesse por seu negócio’. Levantou-se, entrou na casa, voltou com uns trocados e me comprou um pente”. Visivelmente emocionado, concluiu: “Este negócio aqui tem o dedo dela”. Dona Dezinha não conseguia conter as lágrimas. Eu me limitei a dizer: meu irmão, a tal velhinha era dona Purcina, nossa mãe. O comerciante se desmanchou em gentilezas e nem queria que pagássemos pelo tecido.
Ao chegar à casa da tia Celina, fomos recebidos festivamente, a velha era um dilúvio de alegria. Lá pelas tantas, depois de nos oferecer um café forte, contou: “Dezinha, minha filha, uma noite fui buscar água lá no barreiro do Liberato. Depois de encher as ancoretas, parei na casa velha para conversar com a Purcina. Ela me ofereceu café com beiju e, sem que eu visse, botou uma rapadura do Brejo da Serra sobre a cangalha. Quando eu cheguei em casa, que vi a rapadura, quase morri de chorar. Naquela noite, eu não tinha nada para dar aos meus filhos”. Em seguida, contou uma enfiada de histórias da matriarca.
Quando nos retiramos, afirmei: Dezinha, veja o peso da responsabilidade que temos sobre os ombros. Ser filho de dona Purcina não é tarefa fácil. A velha matriarca saiu de cena em 2005, mas ainda há nítidos rastros dela nos sertões onde viveu.
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