Em Teresina, nos meses do b-r-o BRÓ, costumamos dobrar ou triplicar os banhos diários, para refrescar o corpo. Não dá pra ligar o split toda hora porque a conta de energia fica impagável. Fazer o quê?
Eu estava no quinto banho do dia e, nessa ocasião, costumo viajar no pensamento confabulando comigo mesmo. Pensava na inutilidade dos profetas e das profecias catastróficas por eles anunciadas. Ora, se as profecias se cumprem, o profeta é festejado, respeitado e todos chegam à mesma conclusão: "oh, o profeta avisou!". Nesse caso, a profecia não serviu pra nada porque o fato ruim aconteceu mesmo, sem que se pudesse evitar. Se não se cumprem, o profeta é tido como fraco, charlatão e outros pejorativos.
Satisfeito com minhas reflexões, continuei o banho, quando um clarão invadiu o banheiro. O Phebo caiu de minha mão e um roçar de asas na cortina denunciava uma presença: era um Anjo, com suas asas enormes que mal cabiam no pequeno espaço. Em comunicação telepática, o Anjo disse-me apenas: "E aí, Paulo?!" Compreendi tudo, até as próximas falas do diálogo, o que eu ainda iria perguntar e as respostas do Anjo, tudo ao mesmo tempo. Resumindo o papo telepático, o Anjo falou assim: "Vem, que vou te mostrar o futuro próximo do Brasil, com duas possíveis possibilidades: uma, com Bolsonaro; outra, com Haddad". Fui, porque não sou de teimar com Anjo.
E vi uma praça imensa com uma multidão que gritava "Mito! Mito!" dando tiros de Taurus pro ar; e do lado extremo direito da praça, em frente a um paredão, dezessete homens armados e uniformizados, aguardavam ordens. Um corredor se abriu no meio da multidão e vi um homem com as mãos atadas, conduzido por soldados. O homem caminhava com passos lentos, absorto nos próprios pensamentos. E vi a face desse homem que estampava a tristeza de todos os homens e mulheres que se recusavam a idolatrar o "Mito", e o reconheci: era Fernando Henrique Cardoso, sendo conduzido ao pelotão de fuzilamento. Da sacada de um prédio imponente, o presidente Bolsonaro observava tudo com um sorriso sinistro. FHC seria o primeiro fuzilado no novo governo, uma promessa que o presidente eleito não escondeu de ninguém durante a campanha. Aliás, tudo o que Bolsonaro prometeu, cumpriu fielmente: perseguição aos sindicatos, aos negros, homossexuais e nordestinos, fim do 13º salário, armas aos cidadãos... o Brasil vivia novos tempos de chumbo.
Fernando Henrique lamentava não ter dado apoio na eleição do segundo turno a Fernando Haddad. Agora, era o primeiro diante do paredão, de uma lista de 300 mil. Os soldados que o conduziam o colocaram em frente ao pelotão e a multidão delirava. E vi, ao lado de Bolsonaro, os pastores Edir Macedo, Waldemiro Santiago e Silas Malafaia, abraçados, gritando "Glória a Deus! Amém Jesus!" Vi o presidente pedir silêncio à multidão para pronunciar um discurso. Fez-se silêncio na praça. Bolsonaro retira uma folha de papel do bolso do uniforme e lê: "Eu não disse?!" Fim do discurso, sob aplausos entusiasmados. Ao sinal de "fogo!", o pelotão dispara e FHC tomba, sem vida, para o delírio dos fieis seguidores.
Lentamente, como em fade out, a imagem vai sumindo de minha visão e vejo-me de volta ao banheiro, com o Anjo ainda ali. Respiro profundamente e pergunto: "E a outra possibilidade, se Haddad for o presidente eleito? Não vai mostrar?"
O Anjo responde: "Nao precisa, tudo tranquilo!"
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Paulo Moura é jornalista ilustrador e designer gráfico; nas redes sociais.
Eu estava no quinto banho do dia e, nessa ocasião, costumo viajar no pensamento confabulando comigo mesmo. Pensava na inutilidade dos profetas e das profecias catastróficas por eles anunciadas. Ora, se as profecias se cumprem, o profeta é festejado, respeitado e todos chegam à mesma conclusão: "oh, o profeta avisou!". Nesse caso, a profecia não serviu pra nada porque o fato ruim aconteceu mesmo, sem que se pudesse evitar. Se não se cumprem, o profeta é tido como fraco, charlatão e outros pejorativos.
Satisfeito com minhas reflexões, continuei o banho, quando um clarão invadiu o banheiro. O Phebo caiu de minha mão e um roçar de asas na cortina denunciava uma presença: era um Anjo, com suas asas enormes que mal cabiam no pequeno espaço. Em comunicação telepática, o Anjo disse-me apenas: "E aí, Paulo?!" Compreendi tudo, até as próximas falas do diálogo, o que eu ainda iria perguntar e as respostas do Anjo, tudo ao mesmo tempo. Resumindo o papo telepático, o Anjo falou assim: "Vem, que vou te mostrar o futuro próximo do Brasil, com duas possíveis possibilidades: uma, com Bolsonaro; outra, com Haddad". Fui, porque não sou de teimar com Anjo.
E vi uma praça imensa com uma multidão que gritava "Mito! Mito!" dando tiros de Taurus pro ar; e do lado extremo direito da praça, em frente a um paredão, dezessete homens armados e uniformizados, aguardavam ordens. Um corredor se abriu no meio da multidão e vi um homem com as mãos atadas, conduzido por soldados. O homem caminhava com passos lentos, absorto nos próprios pensamentos. E vi a face desse homem que estampava a tristeza de todos os homens e mulheres que se recusavam a idolatrar o "Mito", e o reconheci: era Fernando Henrique Cardoso, sendo conduzido ao pelotão de fuzilamento. Da sacada de um prédio imponente, o presidente Bolsonaro observava tudo com um sorriso sinistro. FHC seria o primeiro fuzilado no novo governo, uma promessa que o presidente eleito não escondeu de ninguém durante a campanha. Aliás, tudo o que Bolsonaro prometeu, cumpriu fielmente: perseguição aos sindicatos, aos negros, homossexuais e nordestinos, fim do 13º salário, armas aos cidadãos... o Brasil vivia novos tempos de chumbo.
Fernando Henrique lamentava não ter dado apoio na eleição do segundo turno a Fernando Haddad. Agora, era o primeiro diante do paredão, de uma lista de 300 mil. Os soldados que o conduziam o colocaram em frente ao pelotão e a multidão delirava. E vi, ao lado de Bolsonaro, os pastores Edir Macedo, Waldemiro Santiago e Silas Malafaia, abraçados, gritando "Glória a Deus! Amém Jesus!" Vi o presidente pedir silêncio à multidão para pronunciar um discurso. Fez-se silêncio na praça. Bolsonaro retira uma folha de papel do bolso do uniforme e lê: "Eu não disse?!" Fim do discurso, sob aplausos entusiasmados. Ao sinal de "fogo!", o pelotão dispara e FHC tomba, sem vida, para o delírio dos fieis seguidores.
Lentamente, como em fade out, a imagem vai sumindo de minha visão e vejo-me de volta ao banheiro, com o Anjo ainda ali. Respiro profundamente e pergunto: "E a outra possibilidade, se Haddad for o presidente eleito? Não vai mostrar?"
O Anjo responde: "Nao precisa, tudo tranquilo!"
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Paulo Moura é jornalista ilustrador e designer gráfico; nas redes sociais.
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