Remexe-se na cama, diz palavras desconexas, assusta Marisa. Lula está em noite de pesadelo. Ela procura acalmar o marido, toca-lhe para mudar de posição. O pesadelo insiste, é vigoroso. Parece que lá dentro de Lula há uma vida conturbada e perigosa, irreal para o casal aposentado e pacato de São Bernardo do Campo.
Marisa deixa que ele conclua o pesadelo. Lula continua inquieto. Uma hora acaba esse sono sufocante, porque vai amanhecer e estarão na mesa da cozinha para o café matinal. A primeira refeição é muito importante, o ex-metalúrgico e sua companheira galega decidem ali a rotina: caminhada, supermercado, padaria, esperar algum filho e neto para o almoço. Um cinema com pipoca é possível, se não tiver jogo do Corinthians. Nunca mais viajaram. Dinheiro está curto.
Lula anda falando em ir às origens, em Pernambuco. Garanhuns. Nunca voltou lá desde que, moleque, subiu no pau de arara e seguiu a mãe, dona Lindu, para São Paulo. Voltar pra que mesmo, pergunta Marisa. Lula não sabe por que, mas bateu essa vontade estranha de rever com olhos adultos a fuga da fome. E se tivesse ficado por lá, quem seria ele? Estaria vivo ou esquecido numa cova rasa?
O destino é um só. O dele foi subir num pau de arara. Se não tivesse feito isso, não teria me conhecido, seria um infeliz, brinca cheia de vaidade a galega do Lula. Ele queria era ser jogador de futebol, ser estrela e artilheiro do Corinthians. Mas o destino é um só. Virou metalúrgico, torneiro mecânico. Melhor do que nada, ou do que a fome, agradece a Deus pelo modesto destino.
Mas que pesadelo foi esse, Lula, quer saber Marisa enquanto serve café ao marido. Imagina só, galega. Eu era Presidente da República. Você, primeira-dama. Tá doido, Lula, protesta a esposa. Mas, me diga, você foi um bom presidente, o pesadelo começa a interessar. Até que fui. Mas me acusaram depois, você morreu, eu fui preso, nossa família ficou desonrada e eu cheguei ao fim da vida humilhado e desprezado. Eu tinha adquirido uma tal de consciência política, me tornei líder sindical, criei um partido e prometi que nunca mais haveria fome e miséria no Brasil. Fui eleito e governei! Mas você morreu e eu fui preso, galega. Disseram que eu roubei. Eu não roubei, galega, acredite em mim. Ora, Lula, isso é um pesadelo. Só um pesadelo. A gente conhece o nosso lugar, e está longe demais de Brasília.
Refeito do pesadelo de ter sido Presidente da República, Lula convida Marisa para a caminhada. Vamos aquecer para o jogo do Timão mais tarde. Não nasci para melhorar o Brasil e depois ser preso, Deus me livrou disso, galega!
Cada qual com seu destino, que pode se transformar em pesadelo.
Marisa deixa que ele conclua o pesadelo. Lula continua inquieto. Uma hora acaba esse sono sufocante, porque vai amanhecer e estarão na mesa da cozinha para o café matinal. A primeira refeição é muito importante, o ex-metalúrgico e sua companheira galega decidem ali a rotina: caminhada, supermercado, padaria, esperar algum filho e neto para o almoço. Um cinema com pipoca é possível, se não tiver jogo do Corinthians. Nunca mais viajaram. Dinheiro está curto.
Lula anda falando em ir às origens, em Pernambuco. Garanhuns. Nunca voltou lá desde que, moleque, subiu no pau de arara e seguiu a mãe, dona Lindu, para São Paulo. Voltar pra que mesmo, pergunta Marisa. Lula não sabe por que, mas bateu essa vontade estranha de rever com olhos adultos a fuga da fome. E se tivesse ficado por lá, quem seria ele? Estaria vivo ou esquecido numa cova rasa?
O destino é um só. O dele foi subir num pau de arara. Se não tivesse feito isso, não teria me conhecido, seria um infeliz, brinca cheia de vaidade a galega do Lula. Ele queria era ser jogador de futebol, ser estrela e artilheiro do Corinthians. Mas o destino é um só. Virou metalúrgico, torneiro mecânico. Melhor do que nada, ou do que a fome, agradece a Deus pelo modesto destino.
Mas que pesadelo foi esse, Lula, quer saber Marisa enquanto serve café ao marido. Imagina só, galega. Eu era Presidente da República. Você, primeira-dama. Tá doido, Lula, protesta a esposa. Mas, me diga, você foi um bom presidente, o pesadelo começa a interessar. Até que fui. Mas me acusaram depois, você morreu, eu fui preso, nossa família ficou desonrada e eu cheguei ao fim da vida humilhado e desprezado. Eu tinha adquirido uma tal de consciência política, me tornei líder sindical, criei um partido e prometi que nunca mais haveria fome e miséria no Brasil. Fui eleito e governei! Mas você morreu e eu fui preso, galega. Disseram que eu roubei. Eu não roubei, galega, acredite em mim. Ora, Lula, isso é um pesadelo. Só um pesadelo. A gente conhece o nosso lugar, e está longe demais de Brasília.
Refeito do pesadelo de ter sido Presidente da República, Lula convida Marisa para a caminhada. Vamos aquecer para o jogo do Timão mais tarde. Não nasci para melhorar o Brasil e depois ser preso, Deus me livrou disso, galega!
Cada qual com seu destino, que pode se transformar em pesadelo.
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