Ao dizer: “democracia e a liberdade só existe quando as Forças Armadas assim o querem”, o Presidente da República desperta apreensões quanto à qualidade da formação do oficial do Exército Brasileiro.
Obviamente, não me refiro à fragilidade do ensino da língua portuguesa na Academia de Agulhas Negras. Outros presidentes, inclusive com reputação intelectual, também derraparam em concordâncias verbais.
Refiro-me à oferta de conhecimentos básicos da modernidade política sem os quais um militar não perceberá seu papel social nem suas responsabilidades constitucionais para com a pátria.
No sistema de ensino brasileiro, os estudantes chegam à universidade sabendo que o pilar da política ocidental moderna é a doutrina da soberania popular, pela qual o poder emana do povo e só em seu nome pode ser exercido.
Democracia e liberdade resultam da soberania popular. As revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, na Europa e na América, enterraram as noções de legitimidade política baseada em direitos dinásticos, hierarquias religiosas, castas, interesses cartelizados, corporações militares e senhores da guerra. A legitimidade da representação política passou a derivar apenas e exclusivamente do voto dos cidadãos e o conjunto dos cidadãos foi paulatinamente sendo designado como nação.
O exercício da soberania popular foi aperfeiçoado pelo mecanismo da separação dos poderes. A chefia do Estado seria submissa às leis escritas por parlamentares eleitos especificamente para isso. Completando o quadro institucional da democracia moderna, outro poder, autônomo, especializado, zelaria pelo cumprimento da legislação.
A Academia Militar e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército não ensinaram o elementar ao capitão-presidente. Anos e anos de ensino e de dispêndio público não bastaram para que Bolsonaro aprendesse que o militar, funcionário do Estado detentor da força bruta, não pode substituir o soberano.
Em outras palavras, não pode querer ou não querer o que está constitucionalmente determinado: a democracia e a liberdade. Cumpre-lhe apenas respeitar o que foi estabelecido como vontade do povo, ou vontade da nação, também conhecida como pátria.
Dois generais de quatro estrelas, um exercendo a vice-presidência, outro um cargo ministerial, endossaram a sandice de Bolsonaro: alteraram suas palavras, preservando o conteúdo da afirmação despropositada. A rigor, reforçaram o disparate, pondo em dúvida o preparo dos generais brasileiros.
Aqui estamos diante de duas alternativas: ou a Escola de Comando e Estado Maior do Exercito e a Escola Superior de Guerra também deixaram de ensinar o básico da modernidade política e da Constituição Brasileira ou os generais renegam o que aprenderam e atentam despudoradamente contra a soberania popular e a comunidade percebida como nacional.
É difícil acreditar na possibilidade de um profissional das armas escalar todos os postos hierárquicos, frequentando tanto anos de escolas militares, com altos custos para os cofres públicos, sem aprender nada sobre liberdade, democracia, dignidade de sua função e amor à pátria.
Mais fácil é admitir que as escolas militares incutiram nos alunos a noção de que suas corporações são melhores, mais dignas, honradas, sábias, meritórias e poderosas que a sociedade forjada no combate ao sanguinário império português e ao seu legado nojento: a iniquidade social e a impiedade com os nativos e os negros.
O sistema de ensino militar parece ter deixado de formar funcionários armados, soldados obedientes e amantes da pátria, mas candidatos a portadores do direito da força, candidatos a senhores da guerra dispostos a dar as cartas esmagando a cidadania, continuadores da truculência bandeirante.
Nesta hipótese, os brasileiros assistimos uma nova subversão da ordem pela soberba castrense e caminhamos em marcha batida para o enterro da soberania do povo.
Revelando incontida vontade de mandar, o militar mais uma vez perturba a vida nacional. Obviamente, será derrotado, ao custo de dor, sangue, do escárnio internacional e, seguramente, da fragilização da defesa da pátria.
O Brasil precisa de corporações não apenas tecnicamente eficientes, mas ordeiras, respeitáveis e patrióticas; não de senhores da guerra dispostos a aventuras desastrosas, regadas a mentiras pelo celular, para alegrar o arrogante império da vez, os Estados Unidos, mas de homens e mulheres que ponham os desígnios do sofrido, laborioso e honrado povo brasileiro acima de quaisquer outros interesses.
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Manuel Domingos Neto - Professor Universitário e Doutor em História pela Universidade de Paris.
Obviamente, não me refiro à fragilidade do ensino da língua portuguesa na Academia de Agulhas Negras. Outros presidentes, inclusive com reputação intelectual, também derraparam em concordâncias verbais.
Refiro-me à oferta de conhecimentos básicos da modernidade política sem os quais um militar não perceberá seu papel social nem suas responsabilidades constitucionais para com a pátria.
No sistema de ensino brasileiro, os estudantes chegam à universidade sabendo que o pilar da política ocidental moderna é a doutrina da soberania popular, pela qual o poder emana do povo e só em seu nome pode ser exercido.
Democracia e liberdade resultam da soberania popular. As revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, na Europa e na América, enterraram as noções de legitimidade política baseada em direitos dinásticos, hierarquias religiosas, castas, interesses cartelizados, corporações militares e senhores da guerra. A legitimidade da representação política passou a derivar apenas e exclusivamente do voto dos cidadãos e o conjunto dos cidadãos foi paulatinamente sendo designado como nação.
O exercício da soberania popular foi aperfeiçoado pelo mecanismo da separação dos poderes. A chefia do Estado seria submissa às leis escritas por parlamentares eleitos especificamente para isso. Completando o quadro institucional da democracia moderna, outro poder, autônomo, especializado, zelaria pelo cumprimento da legislação.
A Academia Militar e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército não ensinaram o elementar ao capitão-presidente. Anos e anos de ensino e de dispêndio público não bastaram para que Bolsonaro aprendesse que o militar, funcionário do Estado detentor da força bruta, não pode substituir o soberano.
Em outras palavras, não pode querer ou não querer o que está constitucionalmente determinado: a democracia e a liberdade. Cumpre-lhe apenas respeitar o que foi estabelecido como vontade do povo, ou vontade da nação, também conhecida como pátria.
Dois generais de quatro estrelas, um exercendo a vice-presidência, outro um cargo ministerial, endossaram a sandice de Bolsonaro: alteraram suas palavras, preservando o conteúdo da afirmação despropositada. A rigor, reforçaram o disparate, pondo em dúvida o preparo dos generais brasileiros.
Aqui estamos diante de duas alternativas: ou a Escola de Comando e Estado Maior do Exercito e a Escola Superior de Guerra também deixaram de ensinar o básico da modernidade política e da Constituição Brasileira ou os generais renegam o que aprenderam e atentam despudoradamente contra a soberania popular e a comunidade percebida como nacional.
É difícil acreditar na possibilidade de um profissional das armas escalar todos os postos hierárquicos, frequentando tanto anos de escolas militares, com altos custos para os cofres públicos, sem aprender nada sobre liberdade, democracia, dignidade de sua função e amor à pátria.
Mais fácil é admitir que as escolas militares incutiram nos alunos a noção de que suas corporações são melhores, mais dignas, honradas, sábias, meritórias e poderosas que a sociedade forjada no combate ao sanguinário império português e ao seu legado nojento: a iniquidade social e a impiedade com os nativos e os negros.
O sistema de ensino militar parece ter deixado de formar funcionários armados, soldados obedientes e amantes da pátria, mas candidatos a portadores do direito da força, candidatos a senhores da guerra dispostos a dar as cartas esmagando a cidadania, continuadores da truculência bandeirante.
Nesta hipótese, os brasileiros assistimos uma nova subversão da ordem pela soberba castrense e caminhamos em marcha batida para o enterro da soberania do povo.
Revelando incontida vontade de mandar, o militar mais uma vez perturba a vida nacional. Obviamente, será derrotado, ao custo de dor, sangue, do escárnio internacional e, seguramente, da fragilização da defesa da pátria.
O Brasil precisa de corporações não apenas tecnicamente eficientes, mas ordeiras, respeitáveis e patrióticas; não de senhores da guerra dispostos a aventuras desastrosas, regadas a mentiras pelo celular, para alegrar o arrogante império da vez, os Estados Unidos, mas de homens e mulheres que ponham os desígnios do sofrido, laborioso e honrado povo brasileiro acima de quaisquer outros interesses.
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Manuel Domingos Neto - Professor Universitário e Doutor em História pela Universidade de Paris.
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