Na remota década de 1960, estudei no vetusto Ginásio Dom Inocêncio, em São Raimundo Nonato. O projeto pedagógico do colégio se sustentava no tripé: disciplina, religiosidade, patriotismo. À época, era dirigido por padres espanhóis, da Ordem Mercedária, alguns franquistas declarados. Tinham verdadeira obsessão pelas comemorações cívico-religiosas. Nos feriados nacionais, obrigavam-nos a vestir uma ridícula “farda de gala” para ouvirmos dilúvios de discursos, na famosa “Rodinha do Bitoso”, no centro da cidade.
Uma tarde, no dia 1º de abril de 1964, o sino da capelinha começou a tanger. Pensei tratar-se da morte de alguém graúdo. Mas o dobre era festivo e não dolente. De repente, o padre Carlos Martinez, com seu narigão à Raul Cortez, adentrou a sala resoluto. Como de praxe, nos levantamos preparados para ouvir alguma reprimenda. Em tom solene, o diretor afirmou: “Deus seja louvado: o Brasil livrou-se do comunismo! Vocês estão liberados”. Livres do comunismo e da insuportável aula de matemática, arranjamos uma bola de borracha e improvisamos um “racha” na pracinha em frente ao Ginásio. Como em qualquer pelada que se preze, a advertência: “do pescoço pra baixo, tudo é canela”. Não sei como terminou o jogo, não me lembro se ganhei ou se perdi. O que nunca esquecerei: nos 21 anos que se seguiram, perdemos todas. Nada contra os que decidiram comemorar o 31 de março. Particularmente, eu gostaria que tudo não tivesse passado de uma simples brincadeira de primeiro de abril...
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Cineas Santos é professor, poeta, escritor e produtor cultural - nas redes sociais.
Uma tarde, no dia 1º de abril de 1964, o sino da capelinha começou a tanger. Pensei tratar-se da morte de alguém graúdo. Mas o dobre era festivo e não dolente. De repente, o padre Carlos Martinez, com seu narigão à Raul Cortez, adentrou a sala resoluto. Como de praxe, nos levantamos preparados para ouvir alguma reprimenda. Em tom solene, o diretor afirmou: “Deus seja louvado: o Brasil livrou-se do comunismo! Vocês estão liberados”. Livres do comunismo e da insuportável aula de matemática, arranjamos uma bola de borracha e improvisamos um “racha” na pracinha em frente ao Ginásio. Como em qualquer pelada que se preze, a advertência: “do pescoço pra baixo, tudo é canela”. Não sei como terminou o jogo, não me lembro se ganhei ou se perdi. O que nunca esquecerei: nos 21 anos que se seguiram, perdemos todas. Nada contra os que decidiram comemorar o 31 de março. Particularmente, eu gostaria que tudo não tivesse passado de uma simples brincadeira de primeiro de abril...
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