Como autor homenageado, eu participava da 5ª edição da FLOR (Feira Literária de Oeiras), em 2017. Na noite de encerramento da festa, depois de um dia puxado, meu corpo pedia cama. Ao descer do palco, fui abordado por uma menina negra (teria uns dez anos de idade) com uns olhos que pareciam querer desvendar as estranhezas do mundo. Com aquela desenvoltura que só as crianças têm, disparou: " Cineas, me fale da Esperança Garcia".
Respirei fundo e, como aqueles guias mirins, recitei: Esperança Garcia foi uma negra escrava, aqui da região de Nazaré que, em 6 de setembro de 1770, escreveu uma carta ao governador da província do Piauí, queixando-se... Com alguma impaciência, a pequena me interrompeu: "Cineas, isto eu já sei. Vi no seu programa". Sem outro argumento, afirmei: então já sabe tudo. Toda a vida da Esperança está contida nas dez linhas daquela carta.
Contrafeita, a menina afirmou: "Cineas, nenhuma vida cabe em dez linhas. Eu quero a história dela". Chutei para o alto: então, nós dois vamos inventar uma vida para Esperança Garcia. Um sorriso estelar enfeitou o rosto da menina. Desconfio que me meti numa tremenda enrascada.
Enquanto, a história não sai e, por oportuno, vamos reler a bela e instigante carta da escrava corajosa:
“Eu sou uma escrava de V.Sª. administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões , onde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.Sª. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda onde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.
De V.Sª. sua escrava, Esperança Garcia”
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Respirei fundo e, como aqueles guias mirins, recitei: Esperança Garcia foi uma negra escrava, aqui da região de Nazaré que, em 6 de setembro de 1770, escreveu uma carta ao governador da província do Piauí, queixando-se... Com alguma impaciência, a pequena me interrompeu: "Cineas, isto eu já sei. Vi no seu programa". Sem outro argumento, afirmei: então já sabe tudo. Toda a vida da Esperança está contida nas dez linhas daquela carta.
Contrafeita, a menina afirmou: "Cineas, nenhuma vida cabe em dez linhas. Eu quero a história dela". Chutei para o alto: então, nós dois vamos inventar uma vida para Esperança Garcia. Um sorriso estelar enfeitou o rosto da menina. Desconfio que me meti numa tremenda enrascada.
Enquanto, a história não sai e, por oportuno, vamos reler a bela e instigante carta da escrava corajosa:
“Eu sou uma escrava de V.Sª. administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões , onde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.Sª. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda onde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.
De V.Sª. sua escrava, Esperança Garcia”
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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