Finda a aula de literatura, saí quase correndo para chegar a outro cursinho onde já me aguardavam. Não me livrei do abraço caloroso de um negrinho entanguido, cabeleira Black Power e sorriso farto. “Você não é um professor; é um brilhante comunicólogo”, afirmou. Era a primeira vez de me “xingavam” daquilo. Retribuí o abraço e saí apressado. Nascia ali uma amizade que já dura mais de 40 anos.
José Salgado dos Santos foi meu aluno por curto espaço de tempo: não podia pagar a mensalidade de um cursinho. Ainda assim, passamos a nos encontrar com alguma frequência. Às vezes, na companhia do poeta Meneses Y Moraes, Salgado ia almoçar em minha casa. À época, já escrevia crônicas minimalistas que publicava no jornal O Dia.
Usava uma expressão cunhada por Lima Barreto: “Bruzundangas”. Um dia, numa dessas croniquinhas, fez uma brincadeira com uma colega que tinha um nome estranho: Lídice. A garota era uma gracinha, querida de todo mundo. Zé Salgado terminava o texto assim: “E se você não entendeu nada, Lídice!”. Saquei, na hora, que aquilo era coisa de poeta e não de aprendiz de cronista. Instiguei-o a escrever poemas. E os poemas começaram a jorrar...
Uma tarde, em 1972, na companhia de Albert e Meneses, chegou à minha casa para me comunicar: “Estou indo para o Rio de Janeiro fazer poesia”. Sem me dar tempo de tentar impedi-lo de concretizar aquela “loucura”, foi-se. Pouco tempo depois, já estava organizando, com outros parceiros, uma antologia poética com um título instigante: "Ebulição da Escrivatura", editada pela famosa Civilização Brasileira.
O mais é do conhecimento de todos: Salgado acrescentou o topônimo Maranhão ao prenome e tornou-se uma das vozes mais consequentes da moderna poesia brasileira. Premiado no Brasil, publicado no exterior, o poeta de Cana Brava das Moças tornou-se um cidadão do mundo. Não conheço outro poeta que tenha sido tão fiel à poesia quanto ele. E a poesia, que nunca se dá de graça, tem sido extremamente generosa com o poeta.
Premiado, louvado, festejado, Salgado Maranhão, para mim, será sempre o irmão querido que, num arremedo de perfil, descrevi assim:
Negro de alma negra e sorriso branco, eis Salgado Maranhão.
A macieza do andar lembra um felino saciado, mas há um quê de pássaro no movimento dos braços.
O ar de príncipe é pose, pois, no trato com os humildes, é mais que humílimo; é chão do chão.
Carrega no embornal do peito a história dos sofrimentos da raça; daí o orgulho forjado a ferro e fogo: a cabeça erguida.
Duro no trato com os prepotentes, mas, ao menor sinal de fêmea, o sal(gado) do nome se converte em mar de mel espraiado pelo rosto de lua cheia: florescem sorrisos...
O mais é poesia, ternura e dignidade vazando por todos os poros em generosas dádivas.
Negro de alma negra e sorriso branco, eis Salgado, meu irmão, menino vadio que cata estrelas no céu para semeá-las no chão.
(Salgado Maranhão está aniversariando hoje)
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
José Salgado dos Santos foi meu aluno por curto espaço de tempo: não podia pagar a mensalidade de um cursinho. Ainda assim, passamos a nos encontrar com alguma frequência. Às vezes, na companhia do poeta Meneses Y Moraes, Salgado ia almoçar em minha casa. À época, já escrevia crônicas minimalistas que publicava no jornal O Dia.
Usava uma expressão cunhada por Lima Barreto: “Bruzundangas”. Um dia, numa dessas croniquinhas, fez uma brincadeira com uma colega que tinha um nome estranho: Lídice. A garota era uma gracinha, querida de todo mundo. Zé Salgado terminava o texto assim: “E se você não entendeu nada, Lídice!”. Saquei, na hora, que aquilo era coisa de poeta e não de aprendiz de cronista. Instiguei-o a escrever poemas. E os poemas começaram a jorrar...
Uma tarde, em 1972, na companhia de Albert e Meneses, chegou à minha casa para me comunicar: “Estou indo para o Rio de Janeiro fazer poesia”. Sem me dar tempo de tentar impedi-lo de concretizar aquela “loucura”, foi-se. Pouco tempo depois, já estava organizando, com outros parceiros, uma antologia poética com um título instigante: "Ebulição da Escrivatura", editada pela famosa Civilização Brasileira.
O mais é do conhecimento de todos: Salgado acrescentou o topônimo Maranhão ao prenome e tornou-se uma das vozes mais consequentes da moderna poesia brasileira. Premiado no Brasil, publicado no exterior, o poeta de Cana Brava das Moças tornou-se um cidadão do mundo. Não conheço outro poeta que tenha sido tão fiel à poesia quanto ele. E a poesia, que nunca se dá de graça, tem sido extremamente generosa com o poeta.
Premiado, louvado, festejado, Salgado Maranhão, para mim, será sempre o irmão querido que, num arremedo de perfil, descrevi assim:
Negro de alma negra e sorriso branco, eis Salgado Maranhão.
A macieza do andar lembra um felino saciado, mas há um quê de pássaro no movimento dos braços.
O ar de príncipe é pose, pois, no trato com os humildes, é mais que humílimo; é chão do chão.
Carrega no embornal do peito a história dos sofrimentos da raça; daí o orgulho forjado a ferro e fogo: a cabeça erguida.
Duro no trato com os prepotentes, mas, ao menor sinal de fêmea, o sal(gado) do nome se converte em mar de mel espraiado pelo rosto de lua cheia: florescem sorrisos...
O mais é poesia, ternura e dignidade vazando por todos os poros em generosas dádivas.
Negro de alma negra e sorriso branco, eis Salgado, meu irmão, menino vadio que cata estrelas no céu para semeá-las no chão.
(Salgado Maranhão está aniversariando hoje)
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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