Sem pressa ou ruídos, ele chegou como chega a noite. Idade inescrutável, mas o algodão encardido da carapinha denunciava muitas luas. Nada trazia a não ser o sujo das lonjuras grudado nas retinas. Quando lhe perguntaram de onde vinha, limitou-se a dizer: “De muito longe”. Pediu água e farinha. Comeu, bebeu, agasalhou-se numa nesga de sombra e dormiu como um felino saciado.
Mal o avistei, pressenti nele um anjo. O nome o confirmou: Edisom do Ministério de Nossa Senhora. Não era um anjo de luz, asas iridescentes, anunciador de boas novas. Era um anjo negro, trôpego, meio estúrdio, que, bêbado de azul, pervagou pelas larguezas dos céus e pousou em nossa casa. Permaneceu entre nós por quase 40 anos.
Era um ser singular. Para começo de conversa, abolira do seu universo vocabular o abominável pronome EU. Se queria água, dizia apenas: “Ele quer beber”. Manso, ordeiro, entendia-se bem com as moscas e com os cães vadios. Adorava café forte; detestava banho. Quando limpo e barbeado, olhava-se no espelho e, com seu sorriso de poucos dentes, afirmava: “Ele não é dos mais feios, não”. Incorporou-se à legião dos loucos que gravitavam em torno da Matriarca e foi ficando.
Passava parte do tempo acocorado, catando pedrinhas invisíveis que atirava ao lado. Cantava modinhas e gostava de loas. A preferida: “Joguei o lenço pra riba/ da fulô da maravia;/ deu no ouro, deu na prata,/ deu na moça que ele queria”. Nunca esquecendo a autorrecriminação: “Tu oia o chiquerador, nego safado!”
A última vez o que o vi foi no carnaval de 2000.Ao me avistar, afirmou: “Ele é poeta, compadre”. E disparou: “ Torrado e quina-quina/ imburana é pau de abeia/gravata de boi e canga/paletó de nego é peia”. Dias depois, a dengue o devolveu ao mundo dos seus. Não deixou espólio, dívidas, herdeiros. Partiu como chegou: sem pressa e sem ruído. A casa permanece. Sem a Matriarca e sem o seu “filho menos doido”.
Mal o avistei, pressenti nele um anjo. O nome o confirmou: Edisom do Ministério de Nossa Senhora. Não era um anjo de luz, asas iridescentes, anunciador de boas novas. Era um anjo negro, trôpego, meio estúrdio, que, bêbado de azul, pervagou pelas larguezas dos céus e pousou em nossa casa. Permaneceu entre nós por quase 40 anos.
Era um ser singular. Para começo de conversa, abolira do seu universo vocabular o abominável pronome EU. Se queria água, dizia apenas: “Ele quer beber”. Manso, ordeiro, entendia-se bem com as moscas e com os cães vadios. Adorava café forte; detestava banho. Quando limpo e barbeado, olhava-se no espelho e, com seu sorriso de poucos dentes, afirmava: “Ele não é dos mais feios, não”. Incorporou-se à legião dos loucos que gravitavam em torno da Matriarca e foi ficando.
Passava parte do tempo acocorado, catando pedrinhas invisíveis que atirava ao lado. Cantava modinhas e gostava de loas. A preferida: “Joguei o lenço pra riba/ da fulô da maravia;/ deu no ouro, deu na prata,/ deu na moça que ele queria”. Nunca esquecendo a autorrecriminação: “Tu oia o chiquerador, nego safado!”
A última vez o que o vi foi no carnaval de 2000.Ao me avistar, afirmou: “Ele é poeta, compadre”. E disparou: “ Torrado e quina-quina/ imburana é pau de abeia/gravata de boi e canga/paletó de nego é peia”. Dias depois, a dengue o devolveu ao mundo dos seus. Não deixou espólio, dívidas, herdeiros. Partiu como chegou: sem pressa e sem ruído. A casa permanece. Sem a Matriarca e sem o seu “filho menos doido”.
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