Sou de um tempo em que menino e cachorro não tomavam parte em conversa de adultos. A proibição não estava escrita em nenhum código, mas os meninos sabíamos e os cães, sempre atentos, intuíam. Em caso de inobservância do não escrito, mas sabido, um bom cipó de fedegoso resolvia.

Os tempos mudaram e hoje, como diriam os portugueses, vivemos sob a “tirania dos miúdos”, menino pode tudo. Deixemos, porém, de rodeios, e vamos ao causo.

Em 2017, tive a honra de ser homenageado na 5ª edição da FLOR (Feira Literária de Oeiras). Passei o ano inteiro visitando escolas, conversando com professores e alunos. Uma maratona puxada. O trem funcionava assim: durante um tempinho, eu falava das minhas errâncias pela vida; depois, a molecada fazia perguntas, dilúvios de perguntas. Tudo num clima de absoluta informalidade. Numa dessas conversas, nasceu o livrinho Parceiros do Vento.

Bem, um dia, por volta das 15 horas, numa das escolas da periferia, calor de cozinhar cuscuz, um garoto negro, uns dez anos de idade, pegou o microfone e sapecou: “Cineas, quando tu era mais novo e menos feinho, quantas namoradas tu teve?”. A pergunta gerou risadas e expectativas. Fiquei sério e, em tom professoral, respondi: Olha, rapaz, ando meio fraco da memória, coisas da idade. Mas até ontem à noite, contabilizei novecentas e setenta e... duas namoradas, fora os “embrechos” passageiros!

O moleque, com a cara mais limpa do mundo, disparou: “Além de véio, é mentiroooooso...” A molecada está rindo até hoje.

Onde entram os cachorros? Dia desses, ao regressar do batente (eu ainda trabalho!), meu vira-latinha ordinário agraciou-me com uma bela mijada nos sapatos. Foi aí que fiz minhas as palavras do sábio Paulinho da Viola: decididamente, sou um homem do século dezenove...

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.