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Sexta-feira, 01 de novembro de 2024
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acessepiaui@hotmail.com

29/03/2020 - 19h05

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29/03/2020 - 19h05

NOTÍCIAS DO FIM DO MUNDO

No rádio do padre Nestor, um locutor com voz cavernosa anunciou: “O mundo acabará em 1970!”.

 

Eu teria uns dez anos de idade quando, num início de noite, ouvi o som da trombeta do anjo vingador. No rádio do padre Nestor, um locutor com voz cavernosa anunciou: “O mundo acabará em 1970!”. Fiquei literalmente aterrorizado. Fiz as contas e percebi que eu teria, no máximo, uns 12 anos para realizar alguns sonhos acalentados desde sempre: comprar uma bicicleta Monark, uma sanfona Scandalli, um relógio Lanco, um rádio Philco, uma espingarda Rossi, um sapato Passo Doble, uma frasco de English Lavender...Na verdade, acreditava eu, isso seria o passaporte para chegar ao coração de uma fulaninha por quem eu já andava encegueirado...Para comprar esse dilúvio de coisas, era preciso dinheiro graúdo. Teria de ir a São Paulo onde, segundo um bailão de Luiz Gonzaga, “corre ouro pelo chão”.

Um problema: esqueci-me de combinar com dona Purcina, que tinha outros projetos para mim. A velha, que só usava os verbos no imperativo, enterrou os meus sonhos em cova profunda... Assim, em 1970, eu já havia sido transplantado para a cidade grande. Coração bandoleiro, eu andava caído de amores por outra fulana, mais acesa que farol de milha... E 70 chegou mergulhado numa ditadura tenebrosa. Só a seleção brasileira nos redimia: “noventa milhões em ação!” Mas o mundo não se acabou.

Marcaram a nova data para o fim do mundo: 2000. Fiz as contas e vi que já estava no lucro: em minha aldeia, a média de vida não excedia a 45 anos de idade. Além disso, eu já escrevera uns dois livrinhos ordinários, plantara um punhado de árvores (ipês) e tinha um filho crescido... Quando marcaram outra data (2012), fiz de conta que não era comigo e continuei na labuta...

De repente, não mais que de repente, sem se anunciar, um ser microscópio, silencioso, insidioso e letal começou corroer as entranhas mundo... De cara, atacou as duas potências mais temidas da Terra. De nada adiantaram as armas atômicas, a indústria da morte, o poder que corrompe... Como num passe de mágica, democratizou-se o medo que, segundo o poeta, “esteriliza os abraços”.

E aqui estou, engaiolado, como todos os que têm um mínimo de responsabilidade, privado até do sagrado direito de tirar ouro do nariz. Mas não vou morrer de medo. Talvez seja hora de repetir o Bandeira: “O meu dia foi bom pode a noite descer.” Mas, como diria Santo Agostinho, “Senhor, que não seja agora”...

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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