Há exatos 36 anos (1º de maio de 1984), seu Liberato não acordou às cinco horas da manhã como o fazia desde sempre. Motivo: passara a noite insone. Por volta das quatro da madrugada, fez um esforço para levantar a cabeça, virou-se para a filha amada, que o assistia, e afirmou: “Dezinha, tenho pra mim que o Cineso está chegando”. E calou-se para sempre. Terminava ali a história de Liberato Francisco dos Santos, um sertanejo atípico até no nome.

Sintetizando ao extremo: um homem sem transbordamentos. Nunca o vi eufórico ou colérico. Um homem que cabia em si. Suas aspirações não iam além dos limites das suas roças. Pacientemente, esperava as chuvas e tratava a terra com a certeza de que era um organismo vivo, tanto que não promovia queimadas. Para bem caracterizar o velho, recorro ao advérbio não. Não tocava viola; não fazia versos; não bebia cachaça; não contava vantagens; não caçava nem pescava; não maltratava os animais, não surrava os filhos...

Com a regularidade de um bom cronômetro, trabalhava sem pressa, sem demonstrar enfado, sem queixas. Gostava de chuvas brandas, café forte, boa prosa. Quando estava entre os seus, contava causos, alguns muito engraçados. Um dia me perguntou: “Cineso, quando você vai parar com seus estudos?”. Respondi de bate-pronto: quando o senhor parar de cuidar de suas roças. Esboçou um discreto sorriso e repetiu a sentença do Edison do Ministério de Nossa Senhora: “Cada um para o que nasce”. E nunca mais tratou do assunto.

Seu Liberato, para o quem o 1º de maio era um dia como outro qualquer, não sabia que, no dia consagrado ao trabalho, poderia ficar deitado até mais tarde...

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.