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Sexta-feira, 01 de novembro de 2024
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VC no Acesse

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acessepiaui@hotmail.com

28/05/2020 - 08h48

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28/05/2020 - 08h48

SOB O SIGNO DA PAIXÃO

Pela bola e com a bola, gritei, vibrei, ri, chorei, sangrei muitas vezes... Além das cicatrizes, ficou a dura lição: paixão maltrata.

 

A desobriga* chegara à igrejinha de São Salvador, na fazenda do Chico Cipriano, o cidadão mais rico da região. A molecada, irrequieta, corria no terreiro da casa grande. De repente, um deles pegou um chumaço de folhas de marmeleiro e fez uma espécie de bolo. Um outro trouxe fios de teia de aranha e enrolou as folhas, dando certa consistência àquele arremedo de bola.

Pouco depois, fizemos um racha com direito a caneladas, xingamentos e carapuças de dedos arrancados no chão duro do terreiro. Foi o meu primeiro contato com uma bola. Primeiro e definitivo. Aquela “não bola” se desfez rapidamente; a paixão perdura até hoje.

Por mais de 60 anos, como um alucinado, corri atrás de bola. Bola de meia, bexiga de boi, bola de borracha, de plástico, de couro... Como mulher caprichosa, que se sabe muito desejada, a bola “não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas”, como diria o Bandeira do seu porquinho-da-índia. Parei quando um médico, também peladeiro, ameaçou-me com uma cadeira de rodas. De todas as perdas já sofridas por mim, privar-me o contato com a bola foi a mais dolorosa. Pela bola e com a bola, gritei, vibrei, ri, chorei, sangrei muitas vezes... Além das cicatrizes, ficou a dura lição: paixão maltrata.

*Missa e outros atos religiosos realizados pelos padres nas regiões mais remotas do sertão. 
(fragmento do livro O aldeão lírico).

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.  

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