De repente, o racismo - velho como a descendência de Cam - está na ordem do dia. É sempre a mesma história: é preciso que um negro americano seja brutalmente assassinado por brancos para que se perceba que “vidas negras contam”. Serenados os ânimos, tudo voltará ao “normal”: negros pobres, presos, mortos... Mas não é disse que tratarei aqui.
Na remota década de 1980, escrevi um poeminha desaforado com o título “Coisa de negro”. O texto termina assim: Não sujei na entrada/ não sujei pela vida, / mas só pra aborrecer, / só pra ver feder/ vou sujar na saída. Feliciano Bezerra transformou o texto num reggae forte e consequente.
Algum tempo depois, inscreveu a música num festival universitário e abiscoitou o primeiro prêmio. Na noite de encerramento do festival, eu estava presente. Uma festa inesquecível. Na saída do Theatro 4 de Setembro, ouvi alguém comentar: “Justo o Cineas, que nem é negro direito”. O comentário me deixou perplexo. O que diabo seria um “negro direito”? Consultei um “negrólogo” juramentado e o cidadão me disse: “Um negro direito é quem pensa, fala e age como negro”. Entendi: um negro caracterizado de negro.
Em defesa da minha negritude, eu poderia afirmar que, num país em que todos perseguem o branqueamento da pele, fiz minha viagem étnica na contramão. Confiram: quando me registraram, num cartório do Caracol, em 1948, eu era branco, de olhos claros e cabelos castanhos. Quando me alistei no Exército (1975), foi promovido a pardo, de olhos castanhos e cabelos crespos. Hoje, no limiar da senescência, não passo de um preto velho, de olhos baços e carapinha branca. Decididamente, mesmo não sendo um “negro direito”, estou mais próximo de mim. Negros velhos também contam?
*********
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Na remota década de 1980, escrevi um poeminha desaforado com o título “Coisa de negro”. O texto termina assim: Não sujei na entrada/ não sujei pela vida, / mas só pra aborrecer, / só pra ver feder/ vou sujar na saída. Feliciano Bezerra transformou o texto num reggae forte e consequente.
Algum tempo depois, inscreveu a música num festival universitário e abiscoitou o primeiro prêmio. Na noite de encerramento do festival, eu estava presente. Uma festa inesquecível. Na saída do Theatro 4 de Setembro, ouvi alguém comentar: “Justo o Cineas, que nem é negro direito”. O comentário me deixou perplexo. O que diabo seria um “negro direito”? Consultei um “negrólogo” juramentado e o cidadão me disse: “Um negro direito é quem pensa, fala e age como negro”. Entendi: um negro caracterizado de negro.
Em defesa da minha negritude, eu poderia afirmar que, num país em que todos perseguem o branqueamento da pele, fiz minha viagem étnica na contramão. Confiram: quando me registraram, num cartório do Caracol, em 1948, eu era branco, de olhos claros e cabelos castanhos. Quando me alistei no Exército (1975), foi promovido a pardo, de olhos castanhos e cabelos crespos. Hoje, no limiar da senescência, não passo de um preto velho, de olhos baços e carapinha branca. Decididamente, mesmo não sendo um “negro direito”, estou mais próximo de mim. Negros velhos também contam?
*********
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.