Já se disse , com uma pontinha de maldade, que passatempo de velho é folhear revistas ensebadas em ante-sala de consultório médico. Como diria o poeta, "não deixaria de não ser". Particularmente, não tenho razões para queixas: ando sempre bem acompanhado, isto é, com um bom livro ao alcance da vista. Posso passar horas a fio esperando, sem maiores angústias.
Era justamente o que eu fazia quando adentrou a sala uma jovem acompanhando um cidadão sequestrado pelo Mal de Alzheimer. Sentaram-se ao meu lado e a mocinha, para mostrar serviço, desandou a conversar com idoso. Sacou um celular da bolsa e começou a exibir fotografias: "Olha, vozinho, a mamãe". "Olha, vozinho, o netinho". Com aquele olhar de peixe morto, o cidadão permanecia impassível.
De repente, uma atendente lépida, álacre e bela, cruzou a sala. O "vozinho" acompanhou com os olhos a trajetória da moça. Pensei: mera coincidência. Alguns minutos depois, a mocinha faz o percurso de volta. O velho espichou o olhar sobre a atendente com o mais vivo interesse.
Voltei à leitura. Não tardou, o cidadão fez um esforço para se levantar. Solícita, a cuidadora perguntou: "O que o senhor quer, vozinho?". Com voz fraca, mas audível, o velho afirmou: "A moça, a moça". Os presentes não se contiveram: gargalhada geral. Visivelmente constrangida, a acompanhante acariciou-lhe a cabeça e , delicadamente, o repreendeu: "Este vozinho não toma jeito!".
Foi aí que me lembrei do dito popular: bode velho perde o pelo; o cheiro, nunca.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Era justamente o que eu fazia quando adentrou a sala uma jovem acompanhando um cidadão sequestrado pelo Mal de Alzheimer. Sentaram-se ao meu lado e a mocinha, para mostrar serviço, desandou a conversar com idoso. Sacou um celular da bolsa e começou a exibir fotografias: "Olha, vozinho, a mamãe". "Olha, vozinho, o netinho". Com aquele olhar de peixe morto, o cidadão permanecia impassível.
De repente, uma atendente lépida, álacre e bela, cruzou a sala. O "vozinho" acompanhou com os olhos a trajetória da moça. Pensei: mera coincidência. Alguns minutos depois, a mocinha faz o percurso de volta. O velho espichou o olhar sobre a atendente com o mais vivo interesse.
Voltei à leitura. Não tardou, o cidadão fez um esforço para se levantar. Solícita, a cuidadora perguntou: "O que o senhor quer, vozinho?". Com voz fraca, mas audível, o velho afirmou: "A moça, a moça". Os presentes não se contiveram: gargalhada geral. Visivelmente constrangida, a acompanhante acariciou-lhe a cabeça e , delicadamente, o repreendeu: "Este vozinho não toma jeito!".
Foi aí que me lembrei do dito popular: bode velho perde o pelo; o cheiro, nunca.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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