Certa feita, perguntaram ao cronista Rubem Braga o que significava, para ele, envelhecer. Rubem, que não era exatamente um cidadão bem-humorado, respondeu secamente: “Uma merda”. E mais não disse, por desnecessário. Pode-se argumentar que os tempos são outros e que hoje os mais vividos estão forrados de “privilégios”. Para começo de conversa, ganharam uma nova rotulagem: idosos. Em tempos de “politicamente correto”, chamar alguém de velho é crime inafiançável e imprescritível. “Velhofobia” é quase tão grave quanto pedofilia.
Os “privilégios” são visíveis em toda parte. Nos estacionamentos dos estabelecimentos comerciais, há sempre duas vagas reservadas aos idosos, quase sempre ocupadas por apressadinhos, que ainda não chegaram lá. Nos bancos, há os “caixas prioritários” com filas enormes, já que os velhos se multiplicam e são sempre mais lentos. Como demonstração de cuidados pelos que já viveram muitas luas, inventaram a “Delegacia do Idoso” onde o telefone nunca atende. Finalmente, como prova de que, efetivamente, vidas idosas “importam”, criou-se o Dia o Idoso – primeiro de outubro. Na data, especialistas repetem ad nauseam “a maravilha que é envelhecer com qualidade de vida”. Quanto à dor no ciático...
Mas por que diabos estou a falar disso? Porque sou velho. E que ninguém venha me chamar de idoso. Pode me chamar de velho, de antigo, de ancião, de fóssil...De Idoso, não. E, por favor, perto de mim, evitem a expressão “melhor idade”. Saco a peixeira!
O que importa: hoje, no final da tarde, no estacionamento de um supermercado, parei ao lado de um automóvel preto, estacionado na vaga destinada a idosos. O proprietário do veículo era efetivamente velho. Fazia-se acompanhar de um motorista jovem, bem-humorado. O moço pôs as compras no bagageiro do carro e entregou ao cidadão uma latinha da cerveja Devassa. Sem nenhuma pressa, o velho abriu a cerveja e, com um gesto, pediu ao motorista que ligasse o som. Uma voz reconhecível aos meus ouvidos (Dick Farney), sussurrou: “Alguém como tu...”. Reclinou um pouco o banco, retirou os óculos e começou a beber a cerveja sem nenhuma pressa.
O motorista percebeu que eu os observava. Envergonhado, acenei-lhe com a cabeça, liguei o carro e retirei-me apressadamente. Tive (por que não confessar?) a compulsão de pedir ao cidadão um gole daquela cerveja que sabe a Verão, um raro privilégio, digno de velhos do nosso quilate...
*******
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Os “privilégios” são visíveis em toda parte. Nos estacionamentos dos estabelecimentos comerciais, há sempre duas vagas reservadas aos idosos, quase sempre ocupadas por apressadinhos, que ainda não chegaram lá. Nos bancos, há os “caixas prioritários” com filas enormes, já que os velhos se multiplicam e são sempre mais lentos. Como demonstração de cuidados pelos que já viveram muitas luas, inventaram a “Delegacia do Idoso” onde o telefone nunca atende. Finalmente, como prova de que, efetivamente, vidas idosas “importam”, criou-se o Dia o Idoso – primeiro de outubro. Na data, especialistas repetem ad nauseam “a maravilha que é envelhecer com qualidade de vida”. Quanto à dor no ciático...
Mas por que diabos estou a falar disso? Porque sou velho. E que ninguém venha me chamar de idoso. Pode me chamar de velho, de antigo, de ancião, de fóssil...De Idoso, não. E, por favor, perto de mim, evitem a expressão “melhor idade”. Saco a peixeira!
O que importa: hoje, no final da tarde, no estacionamento de um supermercado, parei ao lado de um automóvel preto, estacionado na vaga destinada a idosos. O proprietário do veículo era efetivamente velho. Fazia-se acompanhar de um motorista jovem, bem-humorado. O moço pôs as compras no bagageiro do carro e entregou ao cidadão uma latinha da cerveja Devassa. Sem nenhuma pressa, o velho abriu a cerveja e, com um gesto, pediu ao motorista que ligasse o som. Uma voz reconhecível aos meus ouvidos (Dick Farney), sussurrou: “Alguém como tu...”. Reclinou um pouco o banco, retirou os óculos e começou a beber a cerveja sem nenhuma pressa.
O motorista percebeu que eu os observava. Envergonhado, acenei-lhe com a cabeça, liguei o carro e retirei-me apressadamente. Tive (por que não confessar?) a compulsão de pedir ao cidadão um gole daquela cerveja que sabe a Verão, um raro privilégio, digno de velhos do nosso quilate...
*******
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.