Antes de a peste “esterilizar os abraços”, eu zanzava pelo centro de Teresina quando, de repente, um sorriso solar me saúda: “Salve, velho frascário!” (a palavra é tão antiga que já nem consta mais nos dicionários). Não pude esconder a felicidade. A cidadã fora minha aluna não sei onde nem quando. A despeito dos efeitos corrosivos do tempo, estava muito bem. Marcamos um cafezinho para qualquer dia, e cada um foi cuidar da vida. Antes de retirar-se, não se conteve: “Você continua com o mesmo cheiro?”. E com a mesma alma, respondi.
O conversa com a cidadã revolveu-me a memória. De repente, vejo-me, aos 12 anos de idade, na minha aldeia. Num final de tarde, um cidadão chamado Barbosa me pediu que fosse à sua “república” (um quartinho ordinário) próximo ao Colégio das Freiras. Seu Barbosa era negro, solteirão, funcionário público (trabalhava no DNOCS), sabia ler e cheirava bem. Pediu-me que fosse buscar um exemplar da revista O Cruzeiro. No quartinho pobre, uma mesa pequena, duas cadeiras, uma rede, uns cabides com roupas. Sobre a nessa, um frasco de perfume com um nome estranho: “English Lavender”. Não resisti à tentação: abri o frasco e, para minha surpresa, descobri o MEU cheiro! Bem, lá se vão 67 anos... Comprei o primeiro frasco aos 15 anos de idade.
Um dia, sem aviso prévio, a lavanda saiu de circulação. Desesperado, berrei, protestei, pedi socorro. A primeira a atender-me foi a querida Luíza Miranda (encontrou um frasco numa gaveta: devia ser do Totó Barbosa). Nascia ali a “corrente benfazeja” das mulheres queridas. Integram-na, entre outras: Sisi Carvalho, Francisca Maria Mendes, Gilka Viana, Cláudia Brandão... Graças a esse gesto de carinho, estou abastecido de lavanda (de todas as procedências) por muitos anos. Assim, quando a “iniludível” bater-me à porta, há de encontrar-me vestido de azul, banhando de lavanda, pronto para os embates do além. Assim seja
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural.
O conversa com a cidadã revolveu-me a memória. De repente, vejo-me, aos 12 anos de idade, na minha aldeia. Num final de tarde, um cidadão chamado Barbosa me pediu que fosse à sua “república” (um quartinho ordinário) próximo ao Colégio das Freiras. Seu Barbosa era negro, solteirão, funcionário público (trabalhava no DNOCS), sabia ler e cheirava bem. Pediu-me que fosse buscar um exemplar da revista O Cruzeiro. No quartinho pobre, uma mesa pequena, duas cadeiras, uma rede, uns cabides com roupas. Sobre a nessa, um frasco de perfume com um nome estranho: “English Lavender”. Não resisti à tentação: abri o frasco e, para minha surpresa, descobri o MEU cheiro! Bem, lá se vão 67 anos... Comprei o primeiro frasco aos 15 anos de idade.
Um dia, sem aviso prévio, a lavanda saiu de circulação. Desesperado, berrei, protestei, pedi socorro. A primeira a atender-me foi a querida Luíza Miranda (encontrou um frasco numa gaveta: devia ser do Totó Barbosa). Nascia ali a “corrente benfazeja” das mulheres queridas. Integram-na, entre outras: Sisi Carvalho, Francisca Maria Mendes, Gilka Viana, Cláudia Brandão... Graças a esse gesto de carinho, estou abastecido de lavanda (de todas as procedências) por muitos anos. Assim, quando a “iniludível” bater-me à porta, há de encontrar-me vestido de azul, banhando de lavanda, pronto para os embates do além. Assim seja
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural.
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