

Decididamente nunca tive perfil de atleta. Não bastasse o biótipo desfavorável, faltam-me disciplina e disposição para a prática de exercícios físicos. É certo que gastei boa parte da vida correndo atrás de bola em campinhos de terra, de lama, de pedra, de areia... Parei aos 60 anos de idade quando o ortopedista me disse: “Ou para ou vai para a cadeira de rodas”. Como conheço as agruras por que passam os cadeirantes, parei. Um homem de bem não pode passar sem um vício: deixei as “peladas” e meti a cara no facebook, mais viciante que cocaína, segundos entendidos. Em dois anos, ganhei 4 kg e perdi completamente o que tinha de elasticidade, de agilidade. Fiquei duro, engessado, quase entrevado.
Foi aí que alguém me sugeriu sessões de RPG. Logo na primeira, passei por uma experiência inesquecível: deitado numa cama estreita, de papo pro ar, braços e pernas abertos, presos por correias de plástico, senti-me um sapo pronto a ser dissecado numa aula de anatomia. Para surpresa da fisioterapeuta, tive uma crise de riso. A moça não entendeu nada, mas no final do tratamento, vingou-se: “Professor, no seu caso, seria necessário um recall completo,mas onde encontrar as peças para reposição? Tente sessões de Pilates”.
Encarei a nova terapia com uma pontinha de reserva: Pilates lembra vagamente o nome do que se limitou a lavar as mãos. Ainda assim, arrisquei. A fisioterapeuta, com idade para ser minha neta, foi taxativa: “É preciso disciplina e determinação. Não fazemos milagres”. Mais uma vez me mandou deitar na famosa cama estreita para uma “sessão de alongamento”. O que a cidadã realizava com a mais absoluta naturalidade, para mim, foi uma tortura. Não me contive e resolvi mostrar erudição bebida nos almanaques da vida. Moça, isto parece o leito de Procusto. A mocinha me olhou e, com ar de surpresa, perguntou: “Essa terapia é nova? Nunca ouvi falar”. Expliquei-lhe que, segundo a mitologia grega, Procusto era um salteador da Ática, extremamente cruel. Consta que mandou construir uma cama de ferro com determinada medida onde deitava suas vítimas. Se o infeliz fosse maior que a cama, ele cortava-lhe as pernas. Se fosse menor, ele espichava-lhe o corpo até chegar à medida desejada. A moça arregalou os olhos e disparou: “Que horror!” e fez um gesto de desaprovação.
Minha suposta erudição parece não ter surtido o efeito desejado. Sem querer saber de Procusto, menos ainda de Teseu, que teria executado o salteador, cortando-lhe o pescoço e as pernas para ajustá-lo à tenebrosa cama, a moça foi direta e incisiva: “Professor, não se resolvem problemas musculares com mitologia grega. Vamos trabalhar”. Fazer o quê? Enquanto estiver apenas na fase do esticamento, vou tentar suportar. Se perceber algo que lembre encurtamento, recorrerei à delegacia de proteção ao idoso. Irmãos e irmãzinhas, não se iludam com esse papo de “melhor idade”: envelhecer dói.
*****
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Foi aí que alguém me sugeriu sessões de RPG. Logo na primeira, passei por uma experiência inesquecível: deitado numa cama estreita, de papo pro ar, braços e pernas abertos, presos por correias de plástico, senti-me um sapo pronto a ser dissecado numa aula de anatomia. Para surpresa da fisioterapeuta, tive uma crise de riso. A moça não entendeu nada, mas no final do tratamento, vingou-se: “Professor, no seu caso, seria necessário um recall completo,mas onde encontrar as peças para reposição? Tente sessões de Pilates”.
Encarei a nova terapia com uma pontinha de reserva: Pilates lembra vagamente o nome do que se limitou a lavar as mãos. Ainda assim, arrisquei. A fisioterapeuta, com idade para ser minha neta, foi taxativa: “É preciso disciplina e determinação. Não fazemos milagres”. Mais uma vez me mandou deitar na famosa cama estreita para uma “sessão de alongamento”. O que a cidadã realizava com a mais absoluta naturalidade, para mim, foi uma tortura. Não me contive e resolvi mostrar erudição bebida nos almanaques da vida. Moça, isto parece o leito de Procusto. A mocinha me olhou e, com ar de surpresa, perguntou: “Essa terapia é nova? Nunca ouvi falar”. Expliquei-lhe que, segundo a mitologia grega, Procusto era um salteador da Ática, extremamente cruel. Consta que mandou construir uma cama de ferro com determinada medida onde deitava suas vítimas. Se o infeliz fosse maior que a cama, ele cortava-lhe as pernas. Se fosse menor, ele espichava-lhe o corpo até chegar à medida desejada. A moça arregalou os olhos e disparou: “Que horror!” e fez um gesto de desaprovação.
Minha suposta erudição parece não ter surtido o efeito desejado. Sem querer saber de Procusto, menos ainda de Teseu, que teria executado o salteador, cortando-lhe o pescoço e as pernas para ajustá-lo à tenebrosa cama, a moça foi direta e incisiva: “Professor, não se resolvem problemas musculares com mitologia grega. Vamos trabalhar”. Fazer o quê? Enquanto estiver apenas na fase do esticamento, vou tentar suportar. Se perceber algo que lembre encurtamento, recorrerei à delegacia de proteção ao idoso. Irmãos e irmãzinhas, não se iludam com esse papo de “melhor idade”: envelhecer dói.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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