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Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
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Mauro Sampaio

Mauro Sampaio

mauroadrianosampaio@gmail.com

04/01/2022 - 18h25

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Mauro Sampaio

mauroadrianosampaio@gmail.com

04/01/2022 - 18h25

Cemitérios do massacre dos ciganos em Esperantina

 

Conta-se que um grupo de ciganos atravessava o Piauí rumo ao Maranhão e a caminhada acabou em um massacre no dia 11 de novembro de 1913. Esperantina ainda era a Vila de Boa Esperança. Os ciganos não tiveram boa sorte. O governador do Piauí, Miguel de Paiva Rosa (1912-1916), determinou o deslocamento de policiais militares à localidade para conter possíveis desordens. Todos os ciganos foram mortos, não se sabe hoje quantos estavam em jornada. 


 

No centro de Esperantina está o cemitério onde foram sepultados os corpos de tantos deles. O lugar vive em desamparo, como se a história do massacre tivesse que ser enterrada e esquecida. Poucos túmulos resistiram ao século que já se passou. Às vezes, uma alma viva deixa uma coroa de flores, acende vela, reza pela ideia da vida eterna, pede bênçãos e promete pagar pecados. Um colar de crucifixo pendurado na cruz do túmulo mais preservado deixa etéreo o ar de ruína. O terreno ao lado está limpo para dar início à construção do um supermercado. O cemitério dos ciganos está sob risco de total extinção. 

A perseguição aos viajantes de trajes coloridos, de pulseiras, colares e anéis brilhosos (talvez de ouro) começou na antiga estrada que ligava a cidade de Barras até a Vila da Boa Esperança (Esperantina a partir de 1920). A poucos quilômetros da sede da vila foi assassinado a tiros o primeiro cigano. Um ciganinho de 7 anos de idade. Ele se perdera dos adultos na correria para escapar do cerco policial. Subiu num pé de jatobá, mas foi descoberto. Alvejado, caiu. No chão, perdendo muito sangue, os policiais terminaram de matá-lo. Não satisfeitos, decapitaram.



O corpo foi encontrado por um vaqueiro. Diz-que se chamava Manoel Quaresma. Ainda estarrecido com aquela imagem desumana, decidiu dar um destino final cristão, próximo ao jatobazeiro, ao pequenino de nome Roldão. Com o passar dos anos, a população deu por acreditar que a alma do ciganinho era milagreira. Uma peste havia adoecido muita gente das comunidades de Tucuns e do Capote, local do enterro. Teria sido a maldição do massacre? Rezar para a alma de Roldão aliviava e curava. Fez-se devoção. Surgiram os romeiros. 



Ao contrário do cemitério dos ciganos do centro de Esperantina, o cemitério do ciganinho está muito bem cuidado. O túmulo virou santuário.  Devotos com promessas atendidas deixam seus ex-votos numa casa que acolhe sofrimentos superados, dos pés à cabeça. Não há notícia, pelo menos no Piauí, de um cemitério como o do ciganinho, que já é lugar de outras vidas que se foram. O piso de cimento pintado conduz a todos os túmulos. O jatobá continua de pé. A estrada de piçarra traz e leva as fugas da história e Geraldo Azevedo complementa: "A vida é cigana. É caravana."




- No youtube, assista ao filme "O massacre dos ciganos e o ciganinho milagroso",  que teve patrocínio do Instituto Cigano Brasil (ICB).







(crônica e imagens: Mauro Sampaio)

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