Nas bandas de cá do Brasil, o capão cheio com farofa e miúdos é um dos pratos mais apreciados pela população. Muito comum na minha infância, hoje se come com moderação, considerando que o capão caipira deve ser muito gordo. Todavia, o que marca efetivamente esse prato tradicional de nossa culinária não é apenas o sabor, mas as imagens e as memórias a ele associados. Normalmente, se faz um capão cheio em momentos de festa, em que a família nordestina se reúne ao redor de uma mesa farta, e no interior, mesmo nas casas mais modestas, o capão, dificilmente, falta.
Além da carne macia e saborosa, marca do capão gordo, o prato é disputado pelo recheio de farofa de miúdos que como diria minha avó: “faz o padre largar a missa”. E o melhor, o capão cheio anda sempre bem acompanhado com salada e outros pratos, cada um mais saboroso. Durante a refeição conversas animadas, lembranças de infância, reminiscências presentes, passam a compor novas memórias de um momento de integração. Ao final da refeição todos agradecem aos anfitriões, pelo maravilhoso, capão.
Bem que eu gostaria de continuar com essa conversa que nos ativa a memória de um paladarfamiliar, até porque na verdade estou cansada de falar desse nosso país e dos absurdos que hoje ocorrem nele. Mas infelizmente, os fatos nossos de cada dia revelados e reveladores dos conchaves que ocorrem nos palcos do poder no Brasil, nos impelem a insistir em dialogar sobre política e poder.
Na verdade o capão aqui se coloca como uma metáforado poder no Brasil e o recheio infelizmente, nada possui de saboroso, ao contrário se mostra podre quando ganha reflexividade pública através das revelações bombásticas que são visibilizadas a cada dia.
A população foi levada às ruas para defender a moral, a ética e os bons costumes. Foi levada a crer que a corrupção impregnava somente um partido político em nosso país e mesmo diante da certeza de que a Presidente Dilma Rousseff não estava envolvida em processos corruptivos, apoiou o impedimento, baseado em procedimentos fiscais comuns a governos anteriores.
Parte de nossa população não percebeu que os últimos governos deram estrutura, aparelharam, prepararam e aumentaram o orçamento da Polícia Federal, capacitando o órgão para investigações, antes impossíveis de serem realizadas, tanto porque havia ingerência governamental em suas ações, como porque não havia condições tecnológicas, nem recursos humanos capacitados.
A ideia era proporcionar ao Brasil a transição entre uma democracia frágil para uma democracia plena, em que todos os poderes se respeitam mutuamente e onde uma Justiça plena também é necessária.
Mas nas entranhas do nosso capão, a corrupção tem morada cativa. De um lado, o partido do antigo governo teve suas negociações escusas com o mercado predatório, reveladas e muitos de seus líderes já presos, julgados e condenados; de outro, partidos que antes davam sustentação a base do governo ou partidos de oposição que visualizaram nos avanços das investigações a possibilidade de exposição total do Congresso Nacional, que tem cerca de 60% dos seus componentes investigados ou julgados por algum crime. Os primeiros já expostos perderam poder de persuasão frente a outros parlamentares. Os segundos correram para fazer um “ grande pacto” que venderam discursivamente ao público como em prol da Nação, mas que na verdade se revelou, como desconfiávamos, em favor de suas próprias cabeças que estão na iminência de ficar “ a prêmio. Sem contar que a corrupção parece viver também nas estruturas do Judiciário, pois fala-se desde muito tempo, que existem juízes e desembargadores que vendem sentenças.
Nos palcos de Brasília, assistimos recentemente nos últimos dias desta semana, gravações em que tanto o ex-Ministro, Romero Jucá, como o Presidente do Senado, Renan Calheiros, revelam suas verdadeiras intenções. Jucá é claríssimo ao apontar que com Dilma não se pode barrar o avanço das investigações, pois ela não negocia com ninguém. A única saída seria tirá-la do cargo, usurpar o poder e colocar o Temer. Renan que vive na corda bamba desde muito tempo, é mais experto, fala em modificar a lei que autoriza a delação premiada.
Nesse ínterim, observa-se que nas frentes midiáticas dos veículos de referência, a estratégica discursiva recentemente adotada, transferiu a temática principal e pauta diária dos últimos três anos, a saber: corrupção, para pano de fundo; e a trocou por outro tema de grande interesse e de fácil apelo popular: economia soterrada, pacto pela economia do país. O esforço agora é usar novamente o povo que apoiou o impeachment, fazendo-o apoiar as medidas de arroxo econômico propostas pelo governo interino, que são apresentadas como tábua de salvação. Dentre elas, vale lembrar as medidas iniciais tomadas pelo temerário governo: _ extinção de órgãos que representam conquistas das minorias brasileiras, tendo como justificativa um discurso de austeridade; quando na verdade se deseja eliminar a oposição dos setores populares engajados em suas lutas.
Gostaria muito que todos prestassem mais atenção às falas da mídia e do novo governo. Públicos prioritários do novo governo: _empresariado, especuladores de capitais brasileiros e estrangeiros. Esses devem ser socorridos com urgência e tem sido ouvidos para o esboço da nova política econômica, inclusive tem seus representantes na equipe econômica. Já os culpados pela crise, dentre outros, são os segmentos da Educação, Saúde para os quais se ventila diminuição orçamentária, já muito deficitária. Sem contar com as pastas da Cultura (recriada recentemente), Direitos Humanos, Mulheres etc.. Os programas sociais e o financiamento do ensino superior também estão na mira. Então, cuidado aí meu compadre, para não defender os direitos de quem já tem direitos adquiridos e que dificilmente está com disposição de diminuir lucros para dar sua cota de participação e sacrifício no soerguimento da Nação.
O fato é que a mídia em sua tentativa de estreitar suas relações com o poder, e, como intuito de estabelecer prioridades para o campo e obter benefícios através de leis que a favoreçam, assim como, de relações negociais que deem sustentabilidade financeira; continua explorando ao máximo as teorias da comunicação de massa que procuram manipular a população, que incitada por informações que lhe chocam ou sensibilizam agem massivamente em prol de algo que passam a acreditar, sem contestar ou pelo menos desconfiar, de o contrário poderia está mais próximo da verdade.
Como bem afirma, Patrick Charaudeau, existe “um certoangelismo emacreditar que o discurso do ator político está voltado apenas paraa definição de uma idealidade social. Trata-se muito mais de promover uma verdade em razão, independentemente das opiniões,que de buscar transformar (ou reforçar) opiniões marcadas por crenças”. Isso tem sido incorporado pelo plano midiático que assumiu ainda a encenação do teatro político e monta cada peça informativa conforme seus interesses.
Então não importa de que lado estivemos até agora, importa que o Brasil necessita se unir em busca de um caminho que nos tire desse pesadelo. Devemos lutar pela reforma política e não podemos aceitar que o Congresso legisle sem ouvir o povo. Todos os políticos com ficha suja não devem poder mais se candidatar. Ah! E que tal ficarmos atentos aos aumentos que o próprio Judiciário deseja negociar para si, enquanto do povo é exigido sacrifício. A ideia é trabalharmos juntos para extirparmos a podridão do capão Brasil. Fica a dica!
Ana Regina Rêgo
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