Um dia desses me referi sutilmente a um livro do historiador José Murilo de Carvalho, denominado Os bestializados, em um breve comentário que fiz em meu perfil em uma rede social. Sutilmente, porque não expliquei o conteúdo do livro todo, mas apenas fiz uma analogia que diferentemente de 1889, não morre uma monarquia e sim agoniza uma democracia e o povo brasileiro permanece apático e bestializado. Ao final do meu comentário de 3 linhas um encerramento com ForaTemer. O breve comentário suscitou outros tantos, favoráveis e contrários, graças a Deus, todos em um tom tolerável, sem agressões.
Contudo, o que me chamou a atenção foram três pequenas falas em particular. A primeira, de uma pessoa muito amiga, dizia que a democracia não estava ameaçada porque tudo continua como antes, inclusive, os professores universitários (euzinha) continuam a falar o que querem dentro e fora das universidades. O segundo em um tom bem mais forte, dizia que as esquerdas devem ser banidas das universidades e já o terceiro afirmava que as ideologias congregam o mal e devem ser banidas da política. Obviamente aqui estou colocando apenas uma síntese do que foi postado pelos amigos. Não respondi a nenhuma das posições postas porque fiz essa opção há algum tempo, manter amigos na impossibilidade de mudar o pensamento contrário, mas informei que traria as temáticas para esse meu espaço opinativo.
Os três comentários me parecem tão surreais que nem sei por onde começar. O melhor seria talvez criar um modo de disseminação universal do conhecimento histórico, mas não de uma história sintética que tudo comporta, contudo de uma história crítica que problematiza os acontecimentos, revolve e escava os escombros do passado. As lições vividas deveriam sempre ser relembradas.
Assim, começo pelo final. Ideologias como o mal que assola a política e a vida. Muito complicado pois que vivemos em uma sociedade capitalista que carrega em seu âmago de sustentabilidade o princípio da desigualdade. O mercado é uma praça de guerra. Todos que trabalharam ou trabalham no mercado empresarial conhecem a correria para vender e conquistar novas parcelas de mercado, sob pena de não se manter no emprego, ou, de sua empresa não conseguir sobreviver. Os pequenos e não tão ousados são comumente engolidos. Mas o que há de mais na livre concorrência e na regulação da maioria dos segmentos pelo mercado? _Eliminação dos pequenos negócios, banimento dos negócios locais que são forçados a aderir a grande redes, fechamento de postos de trabalho e transformação de empresários em assalariados, pra começar. Contudo, é na área de serviços básicos como a saúde e a educação que a sociedade sente de perto. Saúde transformada em um negócio lucrativo, em que só quem pode pagar, pode sobreviver. Educação transformada ou melhor mantida como o meio que sustenta o círculo do poder e faz com que se perpetue e, principalmente, se mantenha como meio de distinção que mantém os pobres distantes do patamar alcançado pelos que podem pagar pela boa educação. Ou seja, manter o Brasil nos mesmos moldes do modelo educacional e político do século XIX, em que as famílias educam seus filhos que devem retornar e entrar na política para legislar em causa própria para manutenção do status quo vigente. E o que tudo isso tem a ver com ideologia? Tudo é composto e mantido por uma ideologia dominante mascarada por trás da intenção das elites ou dos que se veem como elite, que mantém o povo apático e mais; que faz com que grande parte da população não inserida nos beneficiados pelo governo de poucos e para poucos, ainda os defenda. Isso se chama hegemonia. Então como eliminar a ideologia da política se a luta continua presente. É preciso compreender que a desigualdade tão naturalizada em nosso país, não é natural. É preciso compreender que a falácia de que o esforço individual é o caminho para a transformação não é universal e não pode por si só transformar tudo. Os que vão por esse caminho se afastam de suas origens e se transformam em defensores dos valores das classes abastadas e obviamente, se transformam em exemplo, para a ideologia dominante.
Portanto, primeiro precisamos compreender que os pressupostos ideológicos estão em tudo e todos ao nosso redor, não apenas no discurso midiático que reforça as posições de uma classe dominante diariamente na casa de quase 100% da população brasileira. Precisamos compreender que para combater a ideologia que nos engole e nos torna apáticos diante de medidas que nos prejudicam é preciso conhecer o há por trás delas. O que nos leva aos dois outros comentários, a saber: professores universitários falando o que querem dentro e fora das universidades e a esquerda deve ser banida da universidade, que se resume na proposição de escola sem partido.
A quem interessa escola sem partido? A quem interessa calar os professores universitários? Sobretudo, os professores das ciências humanas, políticas e sociais. Caríssimos amigos, só interessa calar aos que não desejam que o conhecimento crítico seja disseminado. Aos que desejam que continuemos a aceitar as desigualdades como algo natural. Aos que desejam continuar em posições de poder político e econômico que os destaca no seio da sociedade, como reis e rainhas e não como iguais a todos.
Muitos brasileiros que antes nunca tiveram oportunidade de sair do país, conseguiram fazer viagens nos últimos anos, após o crescimento do poder aquisitivo do povo brasileiro. Muitos viram o que são sociedades com níveis mínimos de desigualdades sociais. O que são sociedades sem violência. O que são sociedades com educação disseminada. Mas nem assim, conseguem ver que o Brasil pode sair da grave situação em que se encontra, todavia, si e somente si, deixarmos de enxergar o pobre como o outro, a alteridade, aquele que não vence porque não quer. Só podemos crescer como nação quando reconhecermos que todos somos brasileiros e que temos os mesmos direitos e deveres.
E por fim, cabe aqui dizer que empiricamente os conceitos de direita e esquerda que nasceram na divisão do parlamento inglês e tomaram outros rumos no final do século XIX e século XX, constituem na verdade uma simbologia que procura retratar as posições ideológicas. De um lado, os que desejam a igualdade para as sociedades, em que o comunismo como o estágio mais avançado se consolidaria. No Brasil os regimes ditatoriais do século XX trataram de construir uma imagem complicada sobre o que seria o comunismo que muito se afasta de suas reais intenções. Claro que o regime totalitário bolchevista não ajudou a mudar essa imagem, tanto quanto outros regimes instalados pelo mundo e que se autodenominam comunistas. Mas em síntese, o que se deseja é a igualdade. Dificilmente conseguiremos chegar nesse estágio porque o ser humano carrega em si o desejo por poder e isso nos leva a lutas constantes. Já os que se posicionam à direita estão muito mais afeitos ao capitalismo e as transformações a partir do entendimento de que todos podem vencer, mesmo que as condições sócio-econômicas e educacionais sejam muito, muito diferentes, ou seja, deixa-fazer, é cada um por si. Nos governos de direita os benefícios são colocados para a população não como deveres do Estado e dos mais abastados, mas como favores para a população que deve ser agradecida pelo que recebe e deve retribuir com seu voto. Já no primeiro caso, prega-se “o todos por todos”, como nas comunidades indígenas de muitos países, inclusive no nosso. Bem esse espaço é pequeno e o que aqui tratei de forma minimalista pode render muito pano para manga, mas quem sabe alguém que por ventura venha a ler, comece a duvidar das coisas que lhe ensinaram. Fica a dica!
Ana Regina Rêgo
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