Final de ano, bate aquela sensação estranha acompanhada da pergunta: o que eu poderia ter feito e não fiz? Imediatamente, de algum lugar da memória, saltam os versos de “Roda Viva”: “ A gente vai contra a corrente/ até não poder resistir/na volta do barco é que vê/o quando deixou de cumprir”... Estou falando, naturalmente, de gente que viveu antes do reinado de Wesley Safadão...
Posso assegurar que, ao longo da vida, fiz muito mais que a maioria dos viventes: sou, por temperamento, um fazedor. Mas também deixei de fazer coisas que ficaram para depois ou para o nunca mais. Para não aborrecer os meus seis (estou progredindo!) leitores, cito três projetos que não vingaram. O mais caro deles: nunca amei uma ruiva. Não estou falando de ruivas de farmácia cuja ruivice não resiste a uma chuvinha de verão. Fala de ruivas de verdade com sardas na pele e cabeleira flamejante. Até que me esforcei, mas não se pode ter tudo. Paciência. Não visitei a Birmânia antes de o país tornar-se Myanmar. Agora, já não nem pago. O país do templos budistas mergulhou numa ditadura feroz cujas consequências ainda se fazem sentir. A minoria muçulmana que vive no país que o diga. E ainda há incautos que dizem ser o Budismo “o caminho da paz”. Uma explicação necessária: o que mais me atraía na Birmânia era o nome do país e não a profusão de templos. Ainda irei a Cafarnaum, hoje um punhado de ruínas. Irei pela beleza da palavra.
Mas o projeto não realizado que mais me dói é não ter jogado uma única partida de futebol ao lado do Sima. Gastei uns 60 anos de minha vida correndo atrás de bola. Sou do tempo da bola de meia. O Sima, que tem a minha idade, brilhou nos gramados do Brasil e ainda faz gols. Somos amigos, fiz até um livrinho com ele. Mas nunca jogamos uma pelada juntos. Meu sonho de consumo como peladeira era cruzar uma bola para o cabeceio certeiro do maior craque do futebol piauiense. Num final de ano, o pessoal da Vila Operária marcou um jogo contra os peladeiros do Buenos Aires. Embora eu nunca tenha passado de um canela de pau, por puro carinho, me convidaram. Entre outras feras, participariam da pelada: Derivaldo, Pila, Edmilson leite, Zé Barros e Sima. Passei a semana inteira imaginando a jogada. O Derivaldo me lançaria pela direita, eu correria até a linha de fundo, e cruzaria para o arremate de Simão Teles Bacelar. Isso, para mim, seria a consagração. No dia da partida, o Sima apareceu com uma prosaica caxumba. Por muito pouco não desisti do jogo. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo, a jogada, tal qual eu imaginara, aconteceu. O Derivaldo me lançou: corri como um desesperado e cruzei na medida para o miolo de grande área. A bola viajou e foi pousar certeira na cabeça do pequeno/grande Pila. O craque cabeceou com estilo, a bola beijou o travessão e saiu pela linha de fundo. Não resisti e afirmei: Pila, esta bola era para o Sima.
O joelho esquerdo me tirou dos campinhos da vida; a Birmânia já não existe. Restam as ruivas... Se, porventura, alguma candidatar-se, prometo dar o melhor de mim como se diz no jargão futebolístico . Assim seja.
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Cineas Santos é professor, escritor e produtor cultural - nas redes sociais.
Posso assegurar que, ao longo da vida, fiz muito mais que a maioria dos viventes: sou, por temperamento, um fazedor. Mas também deixei de fazer coisas que ficaram para depois ou para o nunca mais. Para não aborrecer os meus seis (estou progredindo!) leitores, cito três projetos que não vingaram. O mais caro deles: nunca amei uma ruiva. Não estou falando de ruivas de farmácia cuja ruivice não resiste a uma chuvinha de verão. Fala de ruivas de verdade com sardas na pele e cabeleira flamejante. Até que me esforcei, mas não se pode ter tudo. Paciência. Não visitei a Birmânia antes de o país tornar-se Myanmar. Agora, já não nem pago. O país do templos budistas mergulhou numa ditadura feroz cujas consequências ainda se fazem sentir. A minoria muçulmana que vive no país que o diga. E ainda há incautos que dizem ser o Budismo “o caminho da paz”. Uma explicação necessária: o que mais me atraía na Birmânia era o nome do país e não a profusão de templos. Ainda irei a Cafarnaum, hoje um punhado de ruínas. Irei pela beleza da palavra.
Mas o projeto não realizado que mais me dói é não ter jogado uma única partida de futebol ao lado do Sima. Gastei uns 60 anos de minha vida correndo atrás de bola. Sou do tempo da bola de meia. O Sima, que tem a minha idade, brilhou nos gramados do Brasil e ainda faz gols. Somos amigos, fiz até um livrinho com ele. Mas nunca jogamos uma pelada juntos. Meu sonho de consumo como peladeira era cruzar uma bola para o cabeceio certeiro do maior craque do futebol piauiense. Num final de ano, o pessoal da Vila Operária marcou um jogo contra os peladeiros do Buenos Aires. Embora eu nunca tenha passado de um canela de pau, por puro carinho, me convidaram. Entre outras feras, participariam da pelada: Derivaldo, Pila, Edmilson leite, Zé Barros e Sima. Passei a semana inteira imaginando a jogada. O Derivaldo me lançaria pela direita, eu correria até a linha de fundo, e cruzaria para o arremate de Simão Teles Bacelar. Isso, para mim, seria a consagração. No dia da partida, o Sima apareceu com uma prosaica caxumba. Por muito pouco não desisti do jogo. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo, a jogada, tal qual eu imaginara, aconteceu. O Derivaldo me lançou: corri como um desesperado e cruzei na medida para o miolo de grande área. A bola viajou e foi pousar certeira na cabeça do pequeno/grande Pila. O craque cabeceou com estilo, a bola beijou o travessão e saiu pela linha de fundo. Não resisti e afirmei: Pila, esta bola era para o Sima.
O joelho esquerdo me tirou dos campinhos da vida; a Birmânia já não existe. Restam as ruivas... Se, porventura, alguma candidatar-se, prometo dar o melhor de mim como se diz no jargão futebolístico . Assim seja.
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