A aprovação da regulamentação da primeira etapa da reforma tributária pela Câmara, nessa terça (17.12), é boa notícia, mas erra quem diz que esse processo está chegando ao fim. O que foi resolvido é a parte que trata do consumo, agora governo precisa enviar e o parlamento debater a segunda etapa, sobre a tributação de renda e riqueza.
O país viveu meses de lobistas gastando sola de sapato nos gabinetes de deputados e senadores para encaixar os interesses dos setores que representam na regulamentação da primeira etapa da reforma. Não foi uma batalha silenciosa porque usaram a mídia para tentar convencer que seu interesse é o de todos os brasileiros. Mas, ainda assim, a batalha é menor do que a tentativa de colocar os muito ricos no Imposto de Renda, promessa de campanha de Lula.
“Ah, mas isso já acontece com a taxação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore proposto pelo governo e aprovado pelo Congresso.” Não, pequeno gafanhoto, isso é apenas o aperitivo da justiça tributária. Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). E essa lógica precisa ser invertida.
Informação importante: super-rico não é você que parcelou seu Renegade em 24 vezes, então, calma.
A segunda etapa deve discutir a volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida por FHC em 1995), o reajuste da tabela do Imposto de Renda (buscando isentar a maior parte da classe média e criando alíquotas maiores, acima de 30%, para os que ganham realmente muito), taxação de grandes fortunas. Parte do pacote de ajuste fiscal, se aprovado, já seria um enorme avanço sobre a segunda parte da reforma tributária. Recolher impostos sobre os rendimentos de quem ganha mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil/mês) partindo de um mínimo de 10% é civilizatório. Aqueles que recebem via dividendos de empresas, que são isentos, terão que pagar segundo uma escala progressiva, se aprovada a proposta. Na prática, hoje, alguém que ganha milhões em dividendos paga percentualmente menos imposto do que um trabalhador que recebe menos de três salários mínimos.
Levantamento do Congresso em Foco entre deputados e senadores, divulgada em 31 de outubro do ano passado, aponta que, hoje, são baixas as chances de aprovação da taxação de dividendos e de grandes fortunas.
Sim, agora que a regulamentação da primeira etapa da reforma tributária foi aprovada, o tema corre o risco de sair da agenda porque o poder econômico não quer tributada sua riqueza e renda.
Mas parte do pacote de ajuste fiscal, se aprovado, já seria um enorme avanço sobre a segunda parte da reforma tributária.
Quando o ministro da Fazenda Fernando Haddad apresentou o projeto de ajuste fiscal, no final do mês passado, propondo que os muito ricos paguem mais impostos, atacando os supersalários do funcionalismo público e limitando os benefícios fiscais a empresas, eu disse aqui que isso tem potencial para reduzir a bizarra desigualdade do país.
E, por isso, adiantei que o governo Lula iria apanhar mais do que Judas em Sábado de Aleluia por parte daqueles que serão (um pouquinho) prejudicados, mas que contam com muita gente para falar e lutar por eles.
Recolher impostos sobre os rendimentos de quem ganha mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil/mês) partindo de um mínimo de 10% é civilizatório. Aqueles que recebem via dividendos de empresas, que são isentos, terão que pagar segundo uma escala progressiva, se aprovada a proposta. Na prática, hoje, alguém que ganha milhões em dividendos paga percentualmente menos imposto do que um trabalhador que recebe menos de três salários mínimos.
Outra medida anunciada foi a limitação da possibilidade de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física por razão de dedução de gastos de saúde para quem ganha até R$ 20 mil por mês. Mas, como disse o próprio Haddad, a dedução continua integral para todas as faixas de renda. Ou seja, o governo poderia ter ido além e limitar o valor das deduções em gastos de saúde no IRPF, que beneficiam principalmente as classes média alta e alta e custa bilhões.
A chance do Congresso derrubar essa parte boa do pacote de ajuste fiscal, que atinge os muito ricos, é alta. Por isso, vale a pena manter o olho aberto. A classe trabalhadora não pode ficar novamente com o gosto amargo de sentir que está pagando sozinha a conta de um mais ajuste fiscal do país. E perdendo a chance de o país se tornar um pouco mais democrático cobrando proporcionalmente mais de quem tem muito mais.
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Leonardo Sakamoto é jornalista, no Uol.
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