Em 1971, aconteceu o fato mais extraordinário da minha errática trajetória. Eu participava de uma reunião extremamente chata organizada pelos coordenadores do Projeto Rondon. De repente, percebi uma jovem de uma beleza quase acintosa. Não me contive: voltei-me para um colega que estava ao meu lado e afirmei: vou beijar os olhos daquela moça. E apontei o dedo indicando-a. O colega não se conteve: “Tu não enxergas mesmo, vagabundo”. Um parêntese: é escusado dizer que a feiura que me acompanha desde o nascimento, à época, tornara-se obscena:  eu usava cabeleira Black Power e umas costeletas de bandido de filme de bang-bang. A despeito disso, eu borboleteava, com a maior desenvoltura, pelos jardins das raparigas em flor...
            
Terminada a reunião, a jovem bonita cometeu o primeiro grande erro de sua vida: veio cobrar satisfação. O segundo, bem mais grave, aconteceria em 1975, quando decidiu casar-se comigo. Desde então, dona Áurea cuida de mim, me protege e me ama como ninguém mais no mundo seria capaz de fazê-lo. Para sintetizar o que ela representa em minha vida, faço minhas as palavras de Winston Churchill em relação a seu casamento em  1908:  “casei-me e vivi feliz para sempre”.

Dia 26/03 fez 50 anos que vivemos sob o mesmo teto, compartilhando alegrias e tristezas. Para comemorar a data, brindamos com um café passado por mim, um pequeno luxo  no momento  em que o café tornou-se um produto quase proibitivo  para pessoas do meu estrato social. Ainda assim, não posso me queixar da vida!

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.