Irmãos e irmãzinhas, já se disse que, se o freguês tem alguma coisa a dizer, deve fazê-lo até os 70 anos. Depois, névoas e cinzas começam embaçar tudo. Como este ano, ingresso no clube dos setentões, resolvi escrever uns fiapos de memória. Já está no forno o livro O Aldeão Lírico. Eis uma pequena mostra do que tenho a dizer:
O menino é o pai do homem?
Pela boca de Brás Cubas, Machado de Assis afirma: “O Menino é o pai do homem”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Creio, todavia, que, à medida que envelhecemos, vamos retocando a imagem do menino, preenchendo alguns claros, jogando cor onde reinava o cinza, vã tentativa de conferir algum brilho ao que fora opaco...
No que me diz respeito, gosto de acreditar que fui um menino feliz, muito embora este adjetivo não figurasse no nosso magro universo vocabular. As aspirações eram rasas e tudo nos satisfazia. Na verdade, a nossa mais cara aspiração eram as chuvas. E chovia bem menos que o necessário.
Como qualquer menino sertanejo, eu trabalhava: ajudava na labuta da casa. Eram atribuições minhas: cuidar das cabras, dos jegues e, às vezes, levar comida a seu Liberato num dos roçados. Essas tarefas não me impediam de brincar. Dar água aos jumentos, por exemplo, era excelente oportunidade para correrias e, eventuais, quedas.
No mais, era medroso, calado, um tanto arredio... Gostava imensamente de ficar deitado na calçada da casa velha, de olhos nos céus, a campear as nuvens rarefeitas que bordavam o azul intenso. Desse hábito tolo nasceu a minha fixação no azul.
Como não depositaram maiores expectativas em mim, cresci sem a obrigação de ser inteligente, ousado, bem-sucedido. À medida que crescia, fui-me adonando de mim, sem ter de prestar contas a ninguém. Tornei-me um adulto imprestável para as coisas rentáveis. Avesso às ideologias que cegam e asfixiam, não me desagrada imaginar que sou um animal livre. Vez que outra, ainda me surpreendo campeando nuvens...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
O menino é o pai do homem?
Pela boca de Brás Cubas, Machado de Assis afirma: “O Menino é o pai do homem”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Creio, todavia, que, à medida que envelhecemos, vamos retocando a imagem do menino, preenchendo alguns claros, jogando cor onde reinava o cinza, vã tentativa de conferir algum brilho ao que fora opaco...
No que me diz respeito, gosto de acreditar que fui um menino feliz, muito embora este adjetivo não figurasse no nosso magro universo vocabular. As aspirações eram rasas e tudo nos satisfazia. Na verdade, a nossa mais cara aspiração eram as chuvas. E chovia bem menos que o necessário.
Como qualquer menino sertanejo, eu trabalhava: ajudava na labuta da casa. Eram atribuições minhas: cuidar das cabras, dos jegues e, às vezes, levar comida a seu Liberato num dos roçados. Essas tarefas não me impediam de brincar. Dar água aos jumentos, por exemplo, era excelente oportunidade para correrias e, eventuais, quedas.
No mais, era medroso, calado, um tanto arredio... Gostava imensamente de ficar deitado na calçada da casa velha, de olhos nos céus, a campear as nuvens rarefeitas que bordavam o azul intenso. Desse hábito tolo nasceu a minha fixação no azul.
Como não depositaram maiores expectativas em mim, cresci sem a obrigação de ser inteligente, ousado, bem-sucedido. À medida que crescia, fui-me adonando de mim, sem ter de prestar contas a ninguém. Tornei-me um adulto imprestável para as coisas rentáveis. Avesso às ideologias que cegam e asfixiam, não me desagrada imaginar que sou um animal livre. Vez que outra, ainda me surpreendo campeando nuvens...
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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