Há mais de 30 anos, numa aula de redação, eu conversava com os alunos sobre um tema proposto por eles: a violência urbana. Á época, a violência já começava a mostrar as garras. Era uma conversa informal onde todos os interessados poderiam interferir. De repente, um garoto aceso perguntou: “Professor, isso poderá ganhar proporções de uma verdadeira guerra urbana?”. Sem pestanejar, respondi: caminha nessa direção. Meio assustados, os alunos começaram a discutir de forma desordenada. Pedi um pouco de silêncio e afirmei: a guerra vai-se iniciar no Rio de Janeiro, mas se propagará pelo país inteiro, com consequências imprevisíveis.
“Por que o senhor escolheu o Rio de Janeiro?” – quis saber um. Expliquei: eu não escolhi nada, mas entre outras razões – e são muitas – a própria topografia da cidade facilitará a ação dos insurgentes. Choveram perguntas. Resumi tudo de forma simplista: no Rio, os bem-nascidos então na parte baixa da cidade e os miseráveis entocados nos morros. Será muito complicado desalojá-los de lá.
Dia desses, um ex-aluno, hoje economista, contou essa história num dos jornais da cidade. Em vez de ficar vaidoso, fiquei triste e um tantinho constrangido. Não me agrada nada o papel de “profeta” do caos. Eu gostaria muitíssimo de que aquelas previsões sem nenhum embasamento científico não se tivessem confirmado.
Infelizmente, as coisas caminharam com tal velocidade que surpreendem até os “sábios” de plantão. O Rio de Janeiro tornou-se uma praça de guerra onde não se respeitam minimamente as chamadas “convenções” estabelecidas em tratados. É uma guerra suja na qual as principais vítimas são os desarmados, os pobres, os indefesos, os desvalidos.
Uma única vez na vida fui obrigado a concordar com a deputada Sandra Cavalcanti, aquela que tinha um sorriso/esgar sempre pronto. Dizia ela num programa de TV: “Essa coisa (a violência) não começou agora. É fruto de muitos anos da cumplicidade entre políticos corruptos e bandidos”. E, com seu sorriso sórdido, arrematou: “A conta será paga por todos nós”. O mais é do conhecimento de todos.
Hoje, a situação no Rio é de insegurança total. Os bandidos zombam do aparato de “segurança”. Atacam a qualquer hora, em qualquer lugar, até nos quartéis das forças armadas. Na verdade, a cidade está sitiada, e as balas perdidas não escolhem alvos. Simplesmente matam. Matam até os que ainda estão “no ventre das expectativas”, como diria o poeta.
Lucio Flávio Lírio estava equivocado quando afirmava “bandido é bandido e polícia é polícia”. Nesta guerra de perdedores, está tudo tão misturado que já não é possível saber quem é quem. E nem vamos falar dos políticos corruptos que reduziram uma das mais belas cidades do mundo à condição de território sem lei. Enquanto isso, o ministro da defesa, com seu ar de intelectual enfadado, faz pose na TV ao lado do governador de pé grande e de ideias curtas... Se depender dessa gente, era uma vez uma “Cidade Maravilhosa”...
Em tempo: escrevi este trem antes da intervenção no Rio.
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Cinéas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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