Na primeira entrevista que fiz com o poeta H. Dobal, ele afirmou: “Sou um piauiense cem por cento, desses que dizem: está bonito pra chover”. Não era força de expressão. Nenhum dos nossos poetas traduziu a beleza da chuva com tamanha propriedade: “Nas mãos do vento as chuvas amorosas/Vinham cair nos campos de dezembro/ E de repente a vida rebentava/ Na força muda que as sementes guardam”...
Não apenas as chuvas, o elemento água é uma constante em sua poesia: rios, riachos, brejos e, naturalmente, o mar. Já bastante doente, insistia em fazer uma viagem ao Maranhão, só para rever o rio Balsas, “um rio de águas negras”, afirmava.
Certa feita, levei-o a Esperantina para mostrar-lhe a Cachoeira do Urubu. O poeta ficou parado, contemplando aquele dilúvio de água sem dizer nada: parecia não encontrar palavras capazes de traduzir o que via. Nessa viagem, sem hora marcada de chegar, paramos muitas vezes para apreciar a paisagem. De repente, no município de Batalha (PI), uma placa de sinalização o deixou literalmente fascinado: ÁGUAS LIVRES. Dobal afirmou várias vezes: “Nunca vi nada tão poético. Vou escrever um poema sobre isso”. Infelizmente, não o fez.
Nesta semana, ao regressar de Joaquim Pires (PI), fiz questão de parar no local para fotografar a placa. Perguntei a um morador da região: o que existe em Águas Livres? Sem demonstrar nenhum interesse, o cidadão respondeu: “Nada. É só um lugarejo com três ou quatro casinhas”. Pensei em ir até lá, mas não o fiz com receio de destruir o que imagino ser o lugar. Incontinenti, lembrei-me do Quintana: “Só a poesia possui as coisas vivas/O resto é necropsia”. Para mim, Águas Vivas será sempre um poema do Dobal pedindo para nascer. Assim seja.
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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