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Domingo, 20 de abril de 2025
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Cultura

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cantidiosfilho@gmail.com

23/06/2023 - 10h10

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Cultura

cantidiosfilho@gmail.com

23/06/2023 - 10h10

Sofrendo pela Literatura

 

 

Aos doze anos de idade, eu já tinha lido uma batelada de folhetos de cordel. De tanto ler, amestrei o ouvido e aprendi a construir heptassílabos sem precisar contar nos dedos. Os versos já saíam prontos, redondos: em redondilha maior.

Um dia, meu irmão, percebendo minha habilidade no trato com versos, me convidou para escrevermos, a quatro mãos, um folheto de sacanagem. Um problema: em matéria de sacanagem, eu só conhecia a palavra. Ele, um especialista, entraria com o conteúdo, cabendo a mim cuidar da forma. E assim se fez. Ele contava as maiores sem-vergonhices e eu transformava a matéria bruta em redondilhas... As coisas fluíram bem e comecei a gostar da experiência. Escrevi umas dez estrofes, só me lembro de uma (perdoem-me a imodéstia), bastante boa: Nisso, ouvi um ruge-ruge/lá no fundo da igreja, /era uma voz que dizia:/ me abraça, me aperta, me beija;/ eu vou tirar a calcinha, /meta só a cabecinha.../e o padre disse: assim seja!

Feliz com os resultados da experiência, passei a ler a versalhada para os colegas. Um deles chegou a copiar estrofes inteiras. Numa dessas sessões de leitura, não percebi que dona Purcina aproximava-se. Tentei desconversar, mas era tarde. A velha aplicou-me uma surra com vergôntea de marmeleiro e ainda me obrigou a correr para o confessionário onde um padre espanhol me aplicou penitência pesada. Como se pode ver, minha estreia na literatura não poderia ter sido mais promissora.

(fragmento do livro O aldeão lírico).

*****
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais. 

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