Não sei se a sentença é minha ou de algum filósofo desempregado: envelhecer é o mais doloroso dos privilégios. Ao que interessa: dia desses, encontrei um velho amigo, que há muito faz xixi nos pés e caminha como um bonequinho de molas. Ao me ver, não se conteve: "Rapaz, tu estás acabado. Estás mais velho do que eu". Agradeci o elogio e fui cuidar da vida.
Dias depois, uma sobrinha sertaneja, certeira como uma bala perdida, disparou: "O senhor está acabado, um caco velho". Fiquei comovido com o elogio. Imaginem se ela tivesse afirmado que estou um balde velho. Balde velho, como se sabe, só se acaba pelo fundo...
Hoje, dileta amiga, bela como a lua num céu de setembro, acordou-me com a música "Meu velho", na voz de Altemar Dutra, uma cantiga mais triste que lágrima de viúva. Respirei fundo e pensei: estão querendo auxiliar o tempo no trabalho de desconstruir-me.
Enquanto isso, como um joão-teimoso, caio e me levanto, cantando os versos de Soy loco por ti, América: " Estou aqui de passagem/ sei que adiante/ um dia vou morrer/ de susto, de bala ou vício..." Prefiro de vício e, se possível, como na cantiga, "nos braços de uma mulher". Gloria Perez tem razão: viver/ vicia.
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Cineas Santos, professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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