Assisti ao badalado filme Saltburn, suspense psicológico dirigido pela premiada Emerald Fennell. Dizer que se trata de suspense não cumpre plenamente a categoria de gênero ali encontrada, pois completa-se de sátira e drama perverso. O filme é muito insinuante e bem realizado, da dramaturgia à ambientação cênica, algo gótica, passando pelo roteiro, perspicaz e cheio de pistas falsas incrementando os resultados narrativos.
Para substanciar o capital simbólico da trama tem-se a representação de duas entidades de relevância cultural: a universidade de Oxford e seu arsenal de alta instrução formal; e o aristocrático castelo britânico de Saltburn, com toda sua distinção de nobreza, seus marcadores de privilégios. É nesse corredor social que tudo ocorre, caracterizando os indivíduos entre pedantes, mundanos, espertos, perversos, alegres, neuróticos e manipuladores. As doses comportamentais variam de campo moral e são distribuídas ao longo das presentificacões implícitas ou explícitas.
A trama é envolta de hipersexualização, com uma sombra homoerótica, mas as pulsões bissexuais prevalecem. E como ilustração disso há uma fala irônica da matriarca riquíssima Elspeth Catton, quando diz que já foi lésbica por dois anos e que desistiu, pois, segundo ela, as mulheres são muito úmidas e os homens mais secos… hilário, e me fez pensar, secretamente, naquela formulação de Bauman do amor líquido…
Em outro diálogo da mesma personagem, o humor segue presente. É quando, juntamente com o marido, proprietários do castelo, estão organizando uma grande festa (típico evento de ostentação, gula e do ócio burguês), e ele pergunta qual a tipologia que deveriam usar para fazer os convites, no que ela responde: “Times New Roman”, ri à larga, dessa fina estocada àquelas regras das publicações acadêmicas.
Saltburn é película arrojada, com sequências potentes e criativas. No campo erótico, por exemplo, há cenas que fogem do mostruário ordinário da tradição fílmica. É transgressora de sentido a cena em que o protagonista, Oliver Quick, numa ânsia de prazer, tenta sugar do escoo da água pelo ralo da banheira, o odor do sêmen pós-masturbação de seu antagonista desejante, Felix Catton. E outra, quando Oliver tem um gozo sobre o túmulo do mesmo Felix, num ápice orgástico da paixão…
É mesmo sob signos das paixões e ambições humanas, legítimas ou não, que a escritora e diretora britânica Emerald Fennell nos conduz, com perícia, nessa peça cinematográfica. Saltburn é bom.
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Feliciano Bezerra, professor doutor da UESPI - nas redes sociais.
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