Dia desses, acordei cedo, agradeci pela claridade da hora, espreguicei-me como um gato de pensão e, para minha surpresa, nenhuma dor. Fiquei apreensivo: reza a sabedoria popular que velho, quando acorda sem dor, pode ter desencarnado à noite e o corpo ainda não foi comunicado. Tomei café forte, li um poema rascante do Bukowski e nenhuma dor se manifestou.
Satisfeito, fui ao banco pegar os caraminguás a que tenho direito como inválido da pátria. A moça que me atendeu foi direta: "Precisa fazer uma prova de vida". Tremi sobre os tamancos: é agora! Perguntei-lhe se a minha presença física ali não bastava. Esboçou um sorriso irônico e disparou: "Simples formalidade, professor".
Respondi a hmeia dúzia de perguntas, exibi os documentos pedidos e tudo se resolveu. De posse do papelucho, comprovante de que ainda estou vivo, fiz um movimento mais brusco e o nervo ciático acordou a dor aguda na perna esquerda. Em vez de lamentar, sorri aliviado. Graham Greene tinha razão: "Entre a dor e o nada, a dor".
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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
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