A exemplo dos muçulmanos em relação à Meca, os sertanejos de minha aldeia estávamos “condenados” a ir a São Paulo (Sumpaulo) pelo menos uma vez na vida. Sobre a cidade que não “podia parar”, vicejavam lendas: “corre prata pelo chão”; “tem prédios que furam as nuvens”; “tem o trem que chupa as pessoas de longe”... Como no poema de Bilac, todos tinham “a alma de sonhos povoada”. O mais caro deles: comprar uma sanfona vistosa e voltar para o sertão. Acreditávamos ser a sanfona o passaporte para o coração das mulheres...
O certo é que todos – irmãos, primos, tios – foram, menos eu. Dona Purcina, sem me consultar, tinha traçado o meu caminho: nunca me concedeu o direito de me afastar dele um côvado que fosse”. Tinha razão: enquanto estive sob sua tutela, errei menos. Por que estou me lembrando disso? Bem, no último sábado (25/01/2025) São Paulo chegou aos 471 anos de existência, sem jamais se queixar da minha ausência...
Passemos a palavra a Mário de Andrade, que amava sua Pauliceia desvairada:
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
*****
Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião desta página, se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.