Affonso Romano de Sant'Anna  tinha um quê de conde espanhol na estatura, na elegância  dos gestos. nas consoantes dobradas do nome. Era um fidalgo. Eu o conheci em meados da década de 1980 quando o poeta era um dos intelectuais mais festejado do país. Affonso, sem arrogância, tratou-me com muita cordialidade.

Quando criamos o SALIPI em 2003, Affonso e Marina  estavam na lista dos primeiros convidados. Estiveram no Salão umas três vezes. O casal tinha o poder de melhorar os eventos de que participava. Ficamos amigos.

Algum tempo depois, fui a Porto Alegre conhecer a famosa POA, a feira do livro de Porto Alegre. O casal  estava da festa.  Uma noite, Affonso e Marina participavam de um debate transmitido ao vivo pela Radio Guaíba num auditória pequeno e aconchegante. Marina, como boa italiana, falava, gesticulava, falava... Affonso, com seu pescoço de garça do pantanal, apenas escutava e olhava a plateia. Eu estava no final da sala, meio escondido sob uma escada. O poeta esticou o notável pescoço e me pescou com os olhos. Deu-se o inesperado: interrompeu a Marinha e bradou: "Marina, olha quem está na plateia!"  Marina parou de falar, e ele  afirmou: "Dom Cineas Santos, o vice-rei do Piauí"! De repente, a plateia toda se virou buscando o "dignitário" piauiense.  Fiquei sem saber onde enfiar a cara. Affonso, não satisfeito, me convocou: " Dom Cineas , venha participar dessa conversa conosco". Fazer o quê? Fui.

Na 20ª edição do SALIPI, quando fui homenageado, liguei para o Affonso para convidá-los. A Marina atendeu: " Cineas, infelizmente não poderemos ir: o Affonso está com Alzheimer". Fiquei no ar. Sem palavras. No inicio deste  ano, Marina calou-se ; agora, Affonso sai de cena...

Niemeyer tinha razão: " O ruim de viver muito é ir perdendo os velhos amigos pelo caminho".  Como consolo, a obra permanece.

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Cineas Santos é professor, escritor, poeta e produtor cultural - nas redes sociais.